Opinião - Marcelo Leite: Ig Nobel reforça tese de que plantas veem (e pensam, a seu modo)

há 3 meses 4

Na dificuldade de escrever uma terceira coluna sobre queimadas e cumprir a máxima de tornar interessante o que é importante, num tema tão deprimente, resta apelar ao Ig Nobel. O prêmio satírico destaca estudos que fazem rir, primeiro, e depois pensar —por exemplo, sobre a possibilidade de plantas enxergarem.

O brasileiro Felipe Yamashita, biólogo formado na Unesp com doutorado na Universidade de Bonn (Alemanha), recebeu a láurea por demonstrar, com o norte-americano Jacob White, que a trepadeira Boquila trifoliolata consegue imitar as folhas de uma planta de plástico, como se lê na reportagem de Letícia Naísa.

Rir, rir, rir —escreveria um colega colunista. É um dos remédios possíveis quando alguém se depara com fatos desconcertantes, que corroem noções estabelecidas sobre o mundo. Outro lenitivo para o mesmo incômodo é refletir.

Já tinha lido sobre a trepadeira, que viceja nas florestas temperadas do Chile e da Argentina, num livro imprescindível: "Revolução das Plantas", do italiano Stefano Mancuso. A obra já apoiava a ideia de que vegetais podem ver, a seu modo, como foi reforçado agora por Yamashita e White.

O descobridor da capacidade da B. trifoliolata de mimetizar formatos de folhas de quaisquer outras plantas, o chileno Ernesto Gianoli, havia adiantado duas hipóteses para explicá-la. A dupla brazuco-americana destruiu ambas de um só golpe.

Uma, que a trepadeira capturaria pelo ar compostos químicos da planta em que subia, com dicas sobre como imitar suas folhas. Outra, que receberia, por meio de microrganismos compartilhados, certos genes da hospedeira ensinando a mesma coisa, no que se chama de transferência horizontal.

Ora, um vegetal de plástico não emite supostas substâncias reveladoras, não pelo menos algo que outra planta possa traduzir como pistas sobre sua forma. E decerto não têm genes que bactérias ou fungos possam carregar de lá para cá como mensageiros. Genial.

Um possível mecanismo por trás da façanha da Boquila seriam ocelos, células da epiderme nas folhas que, por ter superfície convexa, talvez funcionem como lentes para concentrar a luz sobre receptores fotossensíveis abaixo. Assim se formariam imagens grosseiras, mas nítidas o bastante para guiar a imitação das folhas acima.

Uma hipótese ousada, tão difícil de provar quanto de refutar. Ela já havia sido levantada pelo austríaco Gottlieb Haberlandt, em 1905, e apoiada por Francis Darwin, filho do evolucionista Charles, ambos partidários da ideia de que plantas têm comportamento comparável ao de animais (mobilidade com intenção).

Pensadores como Mancuso, Monica Gagliano, Paco Calvo e Michael Marder estão subvertendo a concepção tradicional de vegetais como seres inanimados, como se a locomoção fosse condição necessária para pressupor intencionalidade. Além da obra citada do primeiro, li recentemente livros instigantes dos dois últimos, respectivamente "Planta Sapiens" e "Plant-Thinking" (pensamento-planta).

Talvez não seja o caso de ir tão longe e postular que plantas pensem. Mas dá bem para cogitar que elas, como seres sencientes, estejam mais próximas de nós do que gostamos de pensar.

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