Opinião - Luciana Coelho: Crime dos irmãos Menendez, que parou EUA há 35 anos, ganha ambiguidades na versão Netflix

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Quando "true crime" ainda não se referia ao filão cultural que satisfaz o gosto do público por sangue, surgiu nos Estados Unidos a Court TV, dedicada a esmiuçar crimes e transmitir julgamentos proeminentes ao vivo. Seu primeiro hit? O caso dos irmãos Lyle e Erik Menendez, então com 21 e 18 anos, que mataram os pais a tiros de espingarda na mansão onde viviam em Los Angeles.

O crime, de 1990, reunia tudo que magnetiza atenção: era parricídio (desde a mitologia grega um dos atos mais hediondos); a violência havia sido brutal; o pai emigrara de Cuba adolescente e construíra fortuna com a mulher americana; o filho mais velho estava em uma universidade de ponta, e o caçula almejava troféus de tênis; e os dois eram extremamente fotogênicos. Tudo isso ainda encobria relatos tétricos de tortura, abuso sexual infantil e incesto.

Desde então, o caso foi explorado por jornais, revistas, canais de TV, sites, livros, dois filmes, um punhado de documentários e, mais recentemente, um manancial de contas no Tiktok e no Instagram.

O que torna, então, a minissérie que a Netflix estreou neste mês sobre o caso diferente?

A assinatura de Ryan Murphy, que cocriou a série com Ian Brennan é a principal delas. A pegada do produtor/roteirista, que ascendeu com seu gosto por histórias de horror-fama-glamour, é nítida no tom homerótico que a série dá à relação entre os irmãos e na estética pop gay dos protagonistas.

Fora de lugar em um enredo tão sinistro, esse erotismo incomoda e ofusca parte das muitas qualidades que Murphy imputou à série, como a dimensão de Kitty, a mãe narcisista e viciada em remédios aqui bravamente interpretada por Chloe Sevigny. Coadjuvante nos relatos da época e quase um detalhe na trama do telefilme de 1994 sobre os irmãos, aqui ela ganha motivação, vontades, camadas, agência. E assusta.

Menos bem sucedida é a tentativa de fazer a advogada que defendeu Erik, Leslie Abramson (Ari Graynor, bem no papel), um alívio cômico ocasional.

E há a interpretação magistral de Javier Barden, versado em psicopatas, que encarna Jose Menendez, o pai acusado pelos filhos de estuprá-los desde os seis anos de idade, com um misto de cinismo, austeridade e descolamento da realidade arrepiantes. É difícil ouvir a descrição dos abusos pelos irmãos —o melhor episódio da série é o quinto, em que Erik (Cooper Koch, impressionante) descreve seu inferno à advogada, só os dois em cena, e ela de costas.

É mais difícil ainda constatar que o abuso sexual de meninos, ainda hoje um tabu, era descreditado ou negligenciado pela sociedade há tão pouco tempo.

Mas o maior mérito de "Monstros - Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais" é injetar ambiguidade a todo o enredo, revezando pontos de vista, de modo que a pergunta ao se terminar a série é se o título principal, monstros, se refere aos filhos ou aos pais, sem distinção nenhuma entre vítimas e algozes.

Lyle e Erik escaparam da pena de morte e cumprem prisão perpétua, agora juntos. Com mais este revival, cresce a parcela do público que pede novo julgamento.

Essa sugestão, aliás, sai da boca de um personagem, no final, como uma possível premonição. Não surpreenderá caso se concretize.

‘Monstros’ está disponível na Netflix

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