Na noite de domingo (2), assisti, como muitos brasileiros, à cerimônia do Oscar, torcendo pelo filme "Ainda Estou Aqui" em sua disputa por três estatuetas. O filme saiu vencedor na categoria de melhor filme internacional. Sempre gosto de ver premiados filmes que contam a história de uma família. De alguma forma, nos reconhecemos através de suas histórias.
Desde o anúncio do filme, me peguei olhando para as fotos de Eunice com seus cinco filhos. A figura central da obra é Eunice Paiva, esposa do deputado cassado Rubens Paiva, e a narrativa acompanha a história da família no período do desaparecimento e assassinato do parlamentar. Sua expressão, tão bem retratada pela atuação da atriz Fernanda Torres, remete à dor pela perda do marido e às dificuldades de criar os filhos sozinha a partir daquele momento. Uma história interrompida, como o desaparecimento do deputado, deixa a sensação de que algo está errado, fora do lugar. Sentimentos como tristeza, raiva e angústia se impõem sem pedir licença, enquanto as questões práticas frequentemente atropelam as emoções, demandando soluções urgentes. É uma sobrecarga para quem fica.
Continuo olhando fixamente para a foto daquela mulher com seus filhos. De uma hora para outra, a dona de casa precisou se tornar pai e mãe. Nos anos 1970, era comum que mulheres casadas cuidassem de suas famílias, exercendo uma atividade não remunerada, o que tornava essa tarefa ainda mais difícil para quem ficava. Minha bisavó, alguns anos depois de chegar ao Brasil, em 1925, ficou viúva com três crianças pequenas para criar, após seu marido ser atropelado no Rio de Janeiro. Minha avó paterna, refugiada, cuidou sozinha de seus sete filhos depois que seu marido morreu jovem, vítima de uma doença. São apenas algumas das muitas mulheres que tiveram de se reinventar para criar seus filhos.
Sempre tive um enorme respeito pelas mães solo. Algumas, inclusive, tiveram de ser mãe e pai desde sempre, pois nunca contaram com o apoio do pai de seus filhos. É um peso e uma responsabilidade enormes. Com base nos dados do 4º trimestre da PNADC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), entre pessoas de 18 a 60 anos de idade, as famílias chefiadas por mães solo representam 15,5% dos domicílios no país. Considero mãe solo a mulher que reside sozinha no domicílio com seus filhos. Essas mulheres apresentam uma taxa de participação na força de trabalho maior do que a média geral das mulheres: 70% contra 67%, respectivamente.
Apesar da maior participação, a média salarial recebida é de R$ 2.358, o que corresponde a 81% do valor recebido pelo total de mulheres. O nível de escolaridade também é menor, com uma média de 10,5 anos de estudo, um ano a menos que a média do total de mulheres. Entre as mães solo, 67% se autodeclaram pretas, pardas ou indígenas, um percentual significativamente superior à média observada entre o total de mulheres (58%). A diferença de renda do trabalho entre mães solo pretas, pardas ou indígenas e aquelas que se identificam como brancas ou amarelas é ainda mais acentuada. O primeiro grupo recebe, em média, R$ 1.913, o que equivale a 57% da renda do segundo grupo.
Às vezes, é estranho trabalhar com milhares de dados sem associá-los a pessoas ou imaginar suas histórias. Minha bisavó materna e minha avó paterna tiveram vidas difíceis. Como quase todas as mães solo, precisaram trabalhar e cuidar de seus filhos ao mesmo tempo. Uma rede de apoio formada por familiares e amigos, maior acesso a creches e serviços de saúde, além de maior flexibilidade no mercado de trabalho, podem tornar essa jornada menos desafiadora para essas mulheres.