Continuar um empreendimento no qual já tenha sido investido dinheiro, esforço ou tempo, mesmo que não seja a melhor decisão, é um comportamento comum, embora irracional. Desconfio de que esse seja o caso dos que defendem a continuidade de obras da usina nuclear de Angra 3. Levanto essa hipótese com cautela porque, como explicou a jornalista Alexa Salomão nesta Folha, o estudo de mil páginas realizado pelo BNDES sobre a viabilidade da usina de Angra 3 é mantido sob sigilo.
Consta desse estudo, apresentado ao CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), que o investimento previsto para conclusão da usina seria de R$ 23 bilhões, e o custo para interromper a obra, de R$ 21 bilhões. O dilema, assim apresentado, parece de simples solução. Quem optaria por uma obra inconclusa, incapaz de produzir um único MWh, se alternativamente, desembolsando apenas 10% a mais, seria possível colocar em funcionamento uma usina capaz de gerar 10 milhões de MWh/ano e 7.000 empregos diretos durante a construção da obra? Porém, como sempre, o diabo mora nos detalhes. Por isso o CNPE nada decidiu.
E quais seriam esses detalhes? Primeiro, as usinas nucleares, como as demais térmicas que geram na base, ajudam a economizar água nos reservatórios das usinas hidroelétricas e evitar racionamentos durante as estiagens. No passado, essa função era muito importante. Porém, hoje esse papel pode ser exercido pelas usinas solares e eólicas, por um custo muitíssimo menor e, assim como as nucleares, sem emitir gases de efeito estufa. Ou seja, o sistema elétrico não precisa de Angra 3.
Segundo, por mais cuidadosa que tenha sido a estimativa do custo e prazo de construção para conclusão da obra, é quase certo que se trata de uma estimativa otimista. A história da indústria nuclear me dá razão. Angra 3 seria a segunda de uma série de oito usinas nucleares previstas no acordo entre Brasil e Alemanha de 50 anos atrás. No livro "How Big Things Get Done", os autores mostram que, de um conjunto de 16 mil projetos de infraestrutura, apenas 0,5% foi construído no prazo, dentro do orçamento e com o benefício imaginado. Focando a subamostra de usinas geradoras de energia, as solares custaram em média 1% acima do orçamento, as eólicas, 13%, as hidrelétricas, 75%, e as nucleares, espantosos 238%. Uma usina na Eslováquia e outra no Irã entrarão em operação decorridos, respectivamente, cerca de 40 e 50 anos do início da construção.
Também tenho dúvidas quanto à necessidade de pagar R$ 21 bilhões para parar a construção. Por exemplo, cerca de R$ 7 bilhões investidos pelas sócias —União (via ENBPar) e Eletrobras— no empreendimento, a partir de 2020, aparentemente não precisariam ser desembolsados novamente. Portanto, não deveriam estar embutidos nos R$ 21 bilhões.
Tudo indica que a Eletrobras prefira que a obra continue, desde que possa pular fora. Nessa hipótese, talvez consiga obter de volta parte do capital injetado na usina quando a empresa ainda era estatal. Seria um ganho provavelmente desconsiderado no processo de privatização.
As dúvidas aqui levantadas talvez tenham resposta no estudo ainda em sigilo. O governo deveria divulgá-lo.