Uma árvore natalina queimada por mascarados em Suqaylabiyha, uma pequena cidade de maioria cristã na província de Hama. Protestos públicos que se estenderam até Damasco. O anúncio da prisão dos incendiários e da reconstrução da árvore por combatentes do HTS, a milícia sunita que tomou o poder. Um representante do governo provisório brandindo uma cruz e dirigindo-se aos manifestantes para garantir proteção aos cristãos. O Natal sírio foi iluminado por um gesto de esperança.
A Síria é uma colcha de retalhos: um microcosmo do Oriente Médio. Além da maioria árabe, há minorias étnicas numerosas, como os curdos (16%), ou diminutas, como os turcomenos (1%). Os árabes muçulmanos dividem-se entre as vertentes sunita (61%), alauíta (13%) e drusa (4%), mas existe uma minoria cristã que surgiu no primeiro século e traça suas origens a partir da história bíblica da conversão do apóstolo Paulo. No califado Omíada (661-750), a população cristã superava a muçulmana.
Os cristãos sírios sofreram sanguinárias perseguições desde antes da existência de um Estado sírio. Paralelamente ao genocídio armênio, entre 1915 e 1923, o Império Otomano massacrou centenas de milhares de cristãos assírios da Mesopotâmia. Os cristãos eram 13% da população síria em 1956, data do último censo religioso no país. Estima-se que, no início da guerra civil, em 2011, ainda representavam 10%. Hoje, depois do grande êxodo, não passam de 3%.
Unidade nacional –eis o enigma que paira sobre a Síria. A ditadura dos Assad tentou respondê-lo por meio da violência estatal permanente, junto com uma laicidade que, durante bastante tempo, garantiu-lhe o apoio dos alauítas e a neutralidade de curdos e cristãos. A chance da Síria pós-Assad reside na escolha de uma resposta diferente para o mesmo dilema.
O HTS deita raízes no Estado Islâmico e na Al Qaeda, mas cindiu com o jihadismo e, na fase final da guerra civil, governou a província de Idlib de modo relativamente moderado. Seu líder trocou o nome de guerra pelo de batismo, Ahmed al-Sharaa, na hora da tomada de Damasco, substituiu o uniforme militar por roupas civis e prometeu respeitar os direitos das minorias.
São as palavras certas, destinadas a levantar as sanções externas e unificar os grupos rebeldes armados sob o comando do Ministério da Defesa. O gesto do Natal, porém, ultrapassou o limite da retórica gratuita –e o mundo tomou nota.
A Síria figurou, ao longo de 13 anos, como palco do entrechoque dos interesses de potências externas: Rússia, Irã, Turquia, Israel, EUA. O Hezbollah e a Guarda Revolucionária iraniana foram expelidos junto com Assad, mas os demais atores estrangeiros seguem presentes, sob formas diferentes. A unidade nacional depende da reconquista da soberania territorial.
A outra condição para a unidade nacional é a igualdade de direitos: o pleno exercício da cidadania pelas minorias étnicas e religiosas e, sobretudo, pelas mulheres. A árvore de Suqaylabiyha sugere que a Síria pode evitar os destinos do Iraque e da Líbia, tragados em vórtices de desordem após a queda de ditaduras perversas. Na sequência do incidente natalino, porém, registraram-se confrontos entre uma milícia alauíta e forças do governo provisório nos arredores de Tartus. A corrida de obstáculos apenas começou.