Rodrigo Pacheco (PSD-MG), 48, encerra os quatro anos de mandato como presidente do Senado em uma transição de fazer inveja a qualquer político do centrão. Se, em 2021, chegou ao cargo como candidato de Jair Bolsonaro (PL), em 2024, deixa o posto como cotado para ministro de Lula (PT).
Tido pelos amigos como diplomático e pelos críticos como fraco, Pacheco recorreu à fama de discrição dos mineiros para atravessar o rearranjo de forças imposto pela mudança de governo e dividir espaço com um dos presidentes mais poderosos da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
Na batalha com a chamada "Casa Baixa" —ou, como prefere dizer, com a "Casa ao lado"—, Pacheco viu Lira abocanhar poderes do Senado quando acabou com a tramitação de medidas provisórias e mudou o regimento para que os deputados ficassem com a palavra final sobre os projetos.
Certa vez, brincou com a diferença de estilo. "Este é o cachorro do Arthur Lira", disse ao ser interrompido por latidos que vinham da casa vizinha, de Lira. "É o cachorro de propriedade do Arthur Lira. O coelho mudou para cá. Não aguentou o ambiente, aqui é mais tranquilo", emendou a piada.
A queda de braço que afastou os dois presidentes durante meses acabou de lado em prol das emendas parlamentares. Usadas como moeda de troca política, as emendas de relator foram instituídas no Congresso em gestões anteriores, mas ganharam novas dimensões com Pacheco e Lira.
Os dois estavam juntos quando o STF decidiu pela inconstitucionalidade delas e quando o ministro Flávio Dino cobrou mais transparência —sobretudo na distribuição das turbinadas emendas de comissão.
Senadores próximos a Pacheco não escondem esperar que Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), seu antecessor e possível sucessor, inverta o jogo de poderes com a Câmara em 2025. Apesar disso, alegam que o mineiro será lembrado pelo conjunto da obra.
"Rodrigo Pacheco, por contingência da vida, acabou vivendo momentos muito críticos da história do país", diz o futuro líder do PT, Rogério Carvalho (SE), destacando primeiro a pandemia de Covid-19 e, depois, as "tentativas golpistas" —desde o desfile de tanques na Esplanada em meio à gestão Bolsonaro até o ataque de 8 de janeiro.
"Ele tem no currículo um período extremamente conturbado, em que se conduziu com grande competência, capacidade de articulação, mediação. Alguns queriam que ele fosse mais agressivo, mas ele, do jeito dele, conseguiu se conduzir de forma bastante apropriada para o momento que a gente vivia, de muita tensão."
Pacheco foi eleito presidente pela primeira vez em uma costura política improvável feita pelo então presidente, Alcolumbre (tão novato quanto ele), contra o MDB de Simone Tebet, em um momento em que o Brasil vivia as drásticas consequências da pandemia.
Pacheco resistiu o quanto pôde em abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a atuação do governo Bolsonaro e disse preferir medidas propositivas, como o projeto de lei para facilitar a compra de vacinas contra a Covid, do qual se orgulha de ser autor.
"A CPI poderá, sim, ter um papel de antecipação de discussão político-eleitoral de 2022, de palanque político, que é absolutamente inapropriado para este momento", declarou.
O desfecho, a contragosto, veio por ordem do Supremo —no primeiro de muitos episódios envolvendo os dois Poderes que marcariam sua presidência. Após determinação do STF, Pacheco instalou a CPI que se tornaria um dos principais focos de desgaste de Bolsonaro, mesmo com o relatório final engavetado.
A comissão abalou a relação com o bolsonarismo e serviu de prenúncio para os embates que viriam depois. Pacheco já tinha indicado que não abriria impeachment contra ministros do tribunal, mas precisou se posicionar abertamente depois que o próprio Bolsonaro pediu a cassação de Alexandre de Moraes.
O senador também endureceu o discurso em defesa das urnas em meio à escalada do ex-presidente. Após o ataque de 8 de janeiro —em que deu carta branca para prisões—, marcou posição ao dizer que eventual anistia não seria votada enquanto estivesse na presidência.
"Muita gente pode criticar o Rodrigo, mas ele passou os piores momentos da República na pós-redemocratização. Tem nosso respeito", disse o líder do PSD, Omar Aziz (AM), ao anunciar que o partido apoiaria Alcolumbre.
A cisão interna ficou ainda mais evidente nas eleições de fevereiro de 2023, quando derrotou o líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN) —em uma disputa vista como reflexo da polarização entre Lula e Bolsonaro.
O líder do PL, Carlos Portinho (RJ), não esconde a mágoa do grupo. Também critica a postura de Pacheco frente ao STF, ressaltando a situação do colega Marcos do Val (Podemos-ES), que teve as redes sociais bloqueadas por ordem de Moraes.
"Esse desgaste nas relações prejudicou não só o mandato dele, mas criou um clima de desarmonia entre os senadores de situação e de oposição e deixou um vácuo. E eu credito a isso a interferência do Poder Judiciário no Poder Legislativo e o acirramento das relações."
Mesmo afastando a possibilidade de impeachment, Pacheco patrocinou investidas contra o tribunal ao reabilitar a tese do marco temporal e apresentar, ele próprio, a proposta de emenda à Constituição que criminaliza a posse e o porte de drogas.
Pacheco também comprou a briga da elite do funcionalismo público e tentou restabelecer, sem sucesso, o quinquênio, benefício que garante aumento automático de 5% do salário para juízes e promotores a cada cinco anos.
O senador se esquiva dos rumores sobre a possibilidade de virar ministro, promete passar os próximos dois anos no gabinete 24 do Senado (número que ficou apagado antes dele, em uma manifestação implícita de homofobia) e até deixar a política depois disso.
Aliados mantêm a aposta no nome dele para o governo de Minas Gerais. Um amigo que prefere não ser identificado diz que, desde que entrou na política, o senador nunca pôde reclamar de falta de sorte —ignorando a tentativa fracassada de disputar a Presidência da República, em 2022, como terceira via.
Após a votação do pacote de gastos, Pacheco celebrou a reforma tributária —que considera um de seus principais legados— e começou a se despedir. "Busquei ser o mais democrático possível, respeitoso com a oposição e com a situação, com todos os colegas", declarou.
A TRAJETÓRIA DE PACHECO NA POLÍTICA
Atuação na advocacia
Advogado criminalista e conselheiro federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Pacheco defendeu envolvidos no escândalo do mensalão e chegou a criticar o poder de investigação do Ministério Público.
Eleição para a Câmara dos Deputados
Foi eleito deputado federal pelo PMDB em 2014 em sua primeira disputa, com 92 mil votos. Nascido em Porto Velho (RO), o político cresceu em Minas Gerais e sempre se lançou candidato pelo estado.
Disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte
À época deputado federal, Pacheco disputou a prefeitura da capital mineira em 2016 pelo PMDB, mas acabou em terceiro lugar, com 10% dos votos válidos. No segundo turno, apoiou o candidato derrotado por Alexandre Kalil (PHS), João Leite (PSDB).
Presidência da CCJ da Câmara
Na Câmara, Pacheco foi eleito em 2017 presidente da comissão mais importante, a de Constituição e Justiça, por unanimidade, ao ser indicado pelo PMDB, partido com o maior número de deputados federais.
Na época, ele era cotado para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Michel Temer no lugar de Alexandre de Moraes. Pacheco era presidente da CCJ quando Temer foi denunciado por corrupção passiva.
Eleição para o Senado
Em 2018, filiou-se ao DEM (atual União Brasil) e disputou uma das duas vagas ao Senado por Minas Gerais. Foi eleito em primeiro lugar, com 20,54% dos votos, derrotando a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que acabou em quarto.
Eleição para a presidência do Senado
Foi eleito presidente do Congresso em 2021, derrotando Simone Tebet (MDB), depois que o então presidente, Davi Alcolumbre (DEM-AP), foi impedido pelo STF de disputar o segundo mandato. Na ocasião, conseguiu o apoio de Jair Bolsonaro e da bancada do PT.
Filiação ao PSD
De olho na Presidência da República, Pacheco trocou o DEM pelo PSD em 2021. A cerimônia de filiação ocorreu no Memorial JK, em Brasília, em uma clara tentativa de associação com o ex-presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961). Na ocasião, Pacheco criticou a polarização política e a situação do país.
Pré-candidatura à Presidência em 2022
Pacheco ensaiou se candidatar a presidente da República em 2022, contra Lula e Bolsonaro, como terceira via, mas desistiu em março. Sem decolar nas pesquisas, deixou a disputa dizendo nunca ter afirmado que se lançaria ao cargo.
Reeleição para a presidência do Senado
Em 2023, derrotou o ex-ministro de Bolsonaro Rogério Marinho (PL-RN) e foi reeleito para mais dois anos de mandato por 49 votos a 32. A disputa foi tratada como reflexo da queda de braço entre Lula e Bolsonaro.
Saída da presidência do Senado
Pacheco deixa a presidência do Senado cotado para um ministério no governo Lula e para o governo de Minas Gerais em 2026 como candidato do petista. "O Pacheco no início do governo era meu inimigo. Hoje é meu amigo", disse o presidente da República no mês passado.