No julgamento sobre os atos golpistas de 8 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes mencionou um "viés de positividade" para explicar o que vê como tendência da opinião pública a minimizar ou esquecer rapidamente a gravidade daqueles eventos. Embora a intenção seja compreensível, o uso desses conceitos precisa de cautela: a ciência do comportamento não deve virar truque retórico.
Na verdade, o fenômeno psicológico mais documentado pela ciência é o oposto: o viés da negatividade. Um estudo clássico publicado por Paul Rozin e Edward Royzman mostrou essa tendência. Os pesquisadores apresentaram aos participantes eventos positivos e negativos de intensidade similar e, ao avaliar a recordação posterior, perceberam que os eventos negativos eram lembrados com mais clareza e por mais tempo. O cérebro privilegia informações negativas por razões evolutivas, já que detectar rapidamente perigos pode ter sido vital para a sobrevivência.
Além disso, notícias negativas provocavam reações fisiológicas significativamente mais fortes, sugerindo que nosso cérebro não só presta mais atenção a essas informações, mas também as processa com maior intensidade emocional. Para estes resultados, Stuart Soroka e outros pesquisadores fizeram um experimento com participantes de 17 países diferentes, medindo suas reações fisiológicas, como frequência cardíaca e condutância da pele, enquanto eram expostos a vídeos curtos de notícias positivas e negativas.
Esse viés influencia diretamente a maneira como consumimos notícias no cotidiano. Um estudo publicado por Soroush Vosoughi, Deb Roy e Sinan Aral demonstrou que conteúdos negativos e sensacionalistas têm uma probabilidade muito maior de serem compartilhados rapidamente nas redes sociais e alcançando mais usuários do que conteúdos neutros ou positivos. Os pesquisadores analisaram milhões de tweets e identificaram que notícias negativas se espalham significativamente mais rápido, ilustrando claramente o poder desse viés no comportamento digital.
Assim, justamente por causa dessa forte tendência ao compartilhamento e atenção dedicados ao conteúdo negativo, torna-se problemático o uso impreciso desses conceitos em debates públicos. Quando Alexandre de Moraes menciona um "viés de positividade", ele simplifica excessivamente o comportamento e sugere erroneamente que o público estaria esquecendo eventos graves por focar em aspectos positivos. No entanto, o perigo parece ser outro: a constante exposição a conteúdos negativos poderia gerar anestesia emocional, diminuindo o senso crítico diante da repetição frequente de absurdos.
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É essencial que no debate público, as evidências sejam usadas de forma responsável, especialmente conceitos psicológicos que afetam diretamente nossa compreensão dos eventos políticos e sociais. O viés da negatividade não deve servir para relativizar acontecimentos sérios nem ser invocado de forma vaga para desacreditar percepções válidas da sociedade.
Precisamos refletir sobre nossos próprios comportamentos como leitores e compartilhadores de informação. Reconhecer nossos vieses não significa culpabilização individual, mas sim assumir responsabilidade sobre como consumimos e disseminamos notícias. Ao entender melhor como nossa mente reage diante da negatividade, poderemos consumir informações de forma menos vulnerável ao uso superficial da ciência no discurso público.