Há pouco menos de uma década, o referendo do brexit –que pôs fim a uma parceria comercial de muitos anos do Reino Unido com demais países da Europa– e as tarifas impostas sobre a China no primeiro governo de donald Trump sinalizaram uma importante reversão no apoio ao livre comércio. Recentemente, o segundo governo Trump confirmou essa tendência, impondo tarifas de reciprocidade de pelo menos 10% a todos os países.
Por mais que os prejuízos da restrição ao comércio sejam todos bem conhecidos –incluindo redução da inovação, dos ganhos com economias de escala na produção, da competição de mercado, do acesso a novos produtos e da ampliação das possibilidades de consumo–, mudanças tão drásticas como as que estão sendo vistas trazem consequências econômicas adicionais, que vão além da restrição ao comércio em si.
Desde 2016, a incerteza com relação ao comércio global aumentou substancialmente, conforme revelam os indicadores construídos com base em notícias de jornais e na cobertura da mídia sobre o assunto (Caldara et al., 2020). O índice, gerado com base em textos que possuem palavras como "risco", "ameaça" e "incerteza" relacionados a termos como "tarifas", "impostos de importação" e "barreiras alfandegárias", está fortemente associado a menção dessa incerteza na divulgação de resultados das empresas, mostrando aderência do indicador ao contexto econômico.
Quando as empresas tomam decisões de investimentos que são irreversíveis, incertezas sobre a economia, sobre o ambiente de negócios ou sobre a demanda por seus produtos as fazem adiar essas decisões. Há valor na espera. Uma incerteza elevada cria fortes incentivos para que as empresas esperem para ampliar seus negócios, realizar novas contratações e fazer inúmeras outras grandes decisões de gastos cuja reversão, caso o cenário se revele adverso, se mostre custosa.
É nesse sentido que aumentos no índice de incerteza de política comercial influenciam a decisão das firmas que envolvem custos elevados e irrecuperáveis. Tais efeitos foram estudados na guerra comercial de 2018, contexto no qual o aumento da incerteza resultou em queda de investimentos e em menor crescimento econômico.
Após a recente divulgação das novas políticas comerciais do segundo governo Trump, o indicador de incerteza de política comercial alcançou o maior valor da série histórica, em patamar que chega a ser quase quatro vezes maior ao máximo observado na guerra comercial de 2018. Esta, que é a mudança mais expressiva da política comercial americana das últimas décadas, deixa no ar ainda mais dúvidas sobre o futuro do comércio internacional. Os países atingidos pelas novas tarifas irão retaliar? Os Estados Unidos recuarão? Ou aplicarão medidas protecionistas ainda mais extremas?
Com ou sem negociações sobre as tarifas, o fato é que o futuro se tornou mais incerto. São empresas investindo menos, mas também pessoas mais cautelosas, consumindo menos e poupando mais.
Reconquistar a confiança em momentos de mudanças tão radicais pode se mostrar extremamente difícil, especialmente quando as mudanças de política econômica não se limitam apenas ao comércio e abarcam também mudanças regulatórias, nas finanças públicas, nas políticas de imigração.
A incerteza deixa todos em modo de espera, trazendo menos dinamismo e menos crescimento para a economia, o contrário do que se pretendia.
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