Não é por acaso que cultivamos uma certa obsessão por diplomas, cargos e distinções formais. Adoramos premiar o ponto de chegada. E, no decorrer de nossa história, credenciais tornaram-se um atalho para o julgamento do mérito. Currículos impressionam mais do que contextos. Títulos acadêmicos falam mais alto do que trajetórias. Mas, no meio de tudo isso, ao focar unicamente nos resultados atingidos, ignoramos a distância percorrida e, sobretudo, de onde se partiu.
A régua da excelência mede com frieza o que é visível na superfície, mas falha ao captar o que está abaixo dela. Falha ao captar o fôlego arrancado de quem precisou correr contra o vento e o esforço desproporcional exigido de partir de lugares mais distantes. Falha ao não levar em consideração que dois indivíduos podem chegar à mesma posição, mas um deles talvez tenha vencido escolas de baixa qualidade, privações econômicas e um ambiente social hostil. E, além disso, falha ao não captar o desenvolvimento integral do ser humano, fazendo com que, não raramente, premiemos pessoas cheias de credenciais, mas apáticas e de difícil convivência.
Medir o mérito só pelo que foi alcançado é penalizar aqueles que, apesar de não ostentarem as mesmas credenciais, demonstraram competências equivalentes para chegar onde chegaram. É, também, ignorar que os recursos disponíveis ao longo da jornada moldam o desempenho final e, assim, as próprias credenciais obtidas.
Ao valorizar apenas os resultados atingidos, perpetua-se um modelo viesado de como premiar as conquistas dos membros de um país. O esforço e a capacidade de superar as desvantagens pelas quais as minorias são sistematicamente submetidas são ignorados. Suas difíceis trajetórias acabam sendo desvalorizadas porque suas experiências não se encaixam no modelo tradicional de sucesso.
Mesmo sendo resilientes, criativas e com forte capacidade de adaptação, elas geralmente não conseguem acumular todas as credenciais exigidas para entrar nos postos tradicionalmente reservados às elites. Ainda assim, elas costumam demonstrar um tipo muito raro de competência. Elas demonstram a habilidade de progredir apesar da escassez, de encontrar soluções com poucos recursos, de resistir e se reinventar em condições adversas.
Mas pense um pouco mais sobre isso... Pense que tais qualidades, que deveriam ser reconhecidas como sinais de excelência, acabam sendo ignoradas porque o modelo vigente de avaliação não quer medi-las. O modelo vigente de excelência valoriza quem nasceu com recursos, e não necessariamente quem se esforçou para ter um progresso substantivo.
Entretanto, se realmente quisermos induzir essa sociedade para novas bases de desenvolvimento, será necessário deslocar o foco das credenciais para as competências, do currículo para a jornada. A medida da excelência precisará ser recalibrada para mensurar não apenas onde se chegou, mas o quão longe se caminhou para se chegar até lá. A atual régua é reta demais para acompanhar os caminhos tortos que tantos precisaram percorrer.
Esta coluna é a terceira da série que tenho feito sobre os desafios enfrentados pelas minorias no processo de mobilidade social. Além disso, é uma homenagem à música "Clube da Esquina Nº2", interpretada por Milton Nascimento.