Opinião - Ana Paula Vescovi: Pouso suave?

há 4 horas 1

O contágio da economia real pela piora das condições financeiras tem sido tema central nas preocupações de diversos agentes. Os dados recentes mais fracos na indústria, no varejo, nos serviços e na confiança e no mercado de trabalho formal acenderam um alerta.

As condições financeiras piores expressam a alta dos juros reais e do dólar e a queda das ações e das commodities e exercem pressão contracionista sobre a atividade econômica. No Brasil, essas condições estão apertadas desde meados de 2022 e voltaram a piorar no último trimestre do ano passado, alcançando nível ainda mais deteriorado do que o observado na crise de 2014-2016.

Apesar disso, alguns fatores devem atuar como atenuantes. A desaceleração ao longo de 2025 tende a ser gradual, com impactos mais proeminentes sobre 2026.

Um crescimento entre 1,5% e 2% em 2025, com surpresas baixistas nas projeções do mercado, é o mais provável, o que representa desaceleração importante em relação ao período pós-pandemia, cuja expansão média esteve acima de 3% ao ano.

O primeiro elemento de sustentação para esse resultado é a produção agrícola, que deve ser beneficiada por mais um ano de volume recorde na safra de grãos e alta de 10% ou mais na produção agro. O setor, mais uma vez, tende a gerar não apenas o impacto direto no PIB mas também efeitos secundários via agroindústria e serviços (transportes, armazenagem) relacionados.

Outros componentes —embora com desaceleração contratada à frente— tendem a se beneficiar de condições cíclicas favoráveis no início do ano. O mercado de trabalho segue com a taxa de desemprego próxima às mínimas históricas, com a continuidade da tendência recente de ganhos salariais reais (4% no ano) e a resiliência da taxa de desligamentos voluntários nas máximas históricas.

Ambos são sinais de aquecimento do mercado de trabalho. Esse comportamento tende a ser fator de sustentação da demanda a curto prazo, por meio do consumo das famílias, um dos destaques no crescimento dos últimos anos. Usualmente, o mercado de trabalho é uma das últimas variáveis a responder a reversões de ciclo, o que reforça essa visão de resiliência a curto prazo.

Folha Mercado

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Um fator de sustentação é o calendário de transferências governamentais no primeiro semestre, com concentração do pagamento de precatórios, antecipação do 13º de aposentados e pensionistas do INSS.

Do lado da oferta, a falta de capacidade ociosa poderá conter a expansão de algumas atividades, e os investimentos cíclicos sempre são os mais sensíveis aos juros altos. Contudo, setores exportadores (beneficiados pelo aumento da produção e câmbio depreciado), com compromissos regulatórios ou com ciclo mais longo de investimentos, ainda tendem a apresentar fôlego ao longo dos próximos meses. Os exemplos são construção civil, óleo e gás (com forte atuação governamental) e setores regulados da infraestrutura, ainda que o impacto negativo dos juros altos venha a ser mais relevante a partir dos próximos anos.

No crédito, é razoável esperar desaceleração de concessões em razão do aumento do custo de captação (juros) e do maior risco de inadimplência, o qual tende a ser menos impactante devido a um sistema bancário mais provisionado. Dúvidas remanescem sobre os impactos no mercado de capitais em 2025.

Ainda assim, a diferença entre as novas concessões e os pagamentos (impulso para atividade) deve ser neutra ou próxima ao crescimento do PIB. Lembrando que, no ano passado, ainda que sob condições financeiras restritivas, o impulso de crédito foi de 5% do PIB! Subsídios e fundos garantidores no crédito para micro e pequenas empresas, além dos ganhos de eficiência na indústria financeira, são exemplos de mitigadores da transmissão da política monetária para o crédito.

Os riscos passam a se acumular a partir do segundo semestre e, sobretudo, para 2026. A essa altura, os efeitos positivos do setor agrícola terão se dissipado, uma vez que a expansão tende a ser concentrada nas safras de verão do início do ano. O mercado de trabalho deve acentuar a desaceleração, com efeitos negativos sobre a demanda, ao mesmo tempo que os estímulos fiscais sazonais se reduzem.

Assim, os efeitos mais intensos do aperto monetário e, sobretudo, do choque de juros iniciado em dezembro tendem a ser sentidos plenamente pela atividade econômica em meados do ano. Se, por um lado, o início de 2025 ainda conta com elementos de sustentação do crescimento, por outro os riscos de desaceleração mais acentuada ficariam em 2026.

Entretanto, vale lembrar, o próximo ano contará com um aumento permanente de renda para cerca de 20 milhões de contribuintes, em razão da proposta de aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5.000. Contará ainda com os usuais gastos eleitorais, na União e nos estados. Nesse quesito, os impulsos de natureza fiscal poderão ser acompanhados do aumento da aversão a risco no financiamento da dívida pública, que crescerá dois dígitos acima do PIB no final do período 2023 a 2026.

Em contexto de economia ainda sobreaquecida e expectativas desancoradas, vemos um longo caminho até que essa desaceleração cause impacto suficiente para que a inflação volte à meta, o que reforça a necessidade de manutenção de políticas contracionistas por mais tempo. O custo social do controle da inflação já está sendo mais alto.

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