A proposta exige que autoridades nacionais possam obrigar qualquer pessoa com conhecimento técnico a fornecer informações para facilitar o acesso a sistemas digitais. Autoridades poderiam interpretá-la arbitrariamente para forçar engenheiros de empresas a revelar uma falha de segurança não corrigida ou fornecer chaves de criptografia que protegem dados. Ela permite a interceptação em tempo real de metadados, como dados de localização, na investigação de qualquer crime. A interceptação de conteúdos está limitada a crimes graves, mas esta definição abarca qualquer crime punido com ao menos quatro anos de prisão. Condutas pouco gravosas ou mesmo legítimas podem se enquadrar nesta definição em determinados países.
Vale frisar que leis de cibercrime têm sido utilizadas de forma arbitrária para criminalizar a luta pela igualdade de gênero, aplicando de forma abusiva leis que apresentam definições vagas e amplas. Infelizmente, a vigilância e punição de ativistas LGBTQIA+ sob o pretexto de serem cibercriminosos têm sido uma tendência em diferentes países, conforme demonstram estudos na matéria.
O discurso de Lula na ONU se deu 10 anos após a posição firme de Dilma Rousseff contra a vigilância global arbitrária naquela mesma tribuna. Ali, Lula chamou a comunidade internacional a se opor ao aprofundamento das desigualdades e à erosão do Estado de Direito. É crucial que a posição brasileira nas negociações deste novo tratado reafirme que um mundo justo não é compatível com a vigilância indiscriminada.
*Veridiana Alimonti é doutora pela USP e diretora associada para América Latina da Electronic Frontier Foundation.
**Michel Roberto de Souza é doutor pela USP e diretor de políticas da Derechos Digitales.
Opinião
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