Novas coreografias do Balé da Cidade têm suspense e ares de fim de século

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Faltam dois dias para a estreia e os dançarinos do Balé da Cidade afinam os movimentos que executam no palco com grandes bastões de luz —um deles mergulha a vara luminosa no fosso da orquestra, que entra branca e sai vermelha sangue.

"Bioglomerata", a nova coreografia de Cristian Duarte, com estreia nesta sexta-feira no Theatro Municipal de São Paulo, tem vários momentos dramáticos como esse. Em outro, dois bailarinos seguram um dos feixes de luz próximos ao corpo de um colega, iluminando bem de perto seus movimentos, criando assim um recorte dentro da cena maior do balé que acontece no palco.

A peça é uma atualização de outra dança do coreógrafo paulistano, "BioMashup", encenada há dez anos. Duarte conta que a nova coreografia reflete onde o seu pensamento está agora. Os bastões vem de uma reflexão estética sobre o espaço, e os movimentos dos corpos não trazem referências só da dança contemporânea e do balé clássico, mas também "da rua, da vida, de poesia, do que eu ouço e eu leio".

Há 16 bailarinos no palco e muita coisa acontece ao mesmo tempo. A coreografia é como uma pintura viva, tipo um quadro do holandês Hieronymus Bosch, em que cada uma das pessoas executa uma tarefa diferente no mesmo espaço em prol de um todo coeso. Uns dançam sozinhos, outros em dupla, dançarinos são arrastados pelo chão de lá para cá ou carregados por um colega de um ponto a outro.

Os movimentos têm uma tensão constante, ponto que o coreógrafo disse buscar, tanto nos gestos quanto na trilha sonora, de ares levemente ameaçadores, executada ao vivo. Um músico fica no centro do palco comandando um teremim, instrumento vintage de música eletrônica, da década de 1920, que funciona sem contato, só com o aproximar e afastar das mãos de sua antena. No fosso, a Orquestra Sinfônica Municipal acompanha ao som de suspense gerado no teremim.

"Eu queria um nervo", diz o coreógrafo, acrescentando que foi um desafio adaptar a dança para a trilha, composta antecipadamente no teremim para que pudesse ser transcrita para partitura e entregue à orquestra. "Daí entra a parte percussiva, uma brasilidade, um lugar de onde eu estou vibrando mais."

Também nesta sexta-feira, o Balé da Cidade estreia uma dança inédita do colombiano Luis Garay, "Pensamento Cintilante". Ele, no entanto, afirma não gostar de chamar o seu trabalho de coreografia, mas sim de estudo ou exercício. "Achei que as coisas que eu observava no ensaio eram muito mais interessantes do que na cena pronta", diz.

Isto significa, segundo o coreógrafo, momentos de interação, repetição e reflexão, estados que desenvolveu com 13 bailarinos ao longo das últimas quatro semanas e meia, com disciplina de quartel.

No palco, as vozes de robô da trilha sonora dissonante, também executada ao vivo pela Orquestra Sinfônica Municipal, dão um ar apocalíptico de fim de século 20 ao espetáculo. A sensação é acentuada pelo figurino, a meio caminho entre o esportivo e o tecnológico, o tipo de roupa que se vestiria para ir a uma rave.

Garay afirma se interessar pelo desconhecido, pelo que as pessoas não sabem umas das outras, e em como é possível viver em comunidade desta forma. "Como posso fazer uma peça que não explique, que não seja pedagógica nem tente educar o público."

As duas coreografias marcam um ano desde que Alejandro Ahmed assumiu o posto de diretor artístico do Balé da Cidade de São Paulo. Ahmed diz considerar a dança uma "tecnologia de comportamento", que inclui os modos de treinar e as técnicas usadas nos movimentos, mas também o reflexo nos bailarinos do contexto social, isto é, a cidade São Paulo e o universo da dança em si.

Oriundo da companhia independente de dança Cena 11, de Florianópolis, da qual era coreógrafo e diretor, ele afirma que sua intenção é que o Balé da Cidade "não seja um lugar com paredes fechadas, mas sim de trânsito e de pulsão", para a qual possa trazer alguns conceitos de seu trabalho e colocá-los em diálogo respeitoso com o repertório dos bailarinos.

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