Motta prioriza bastidores, desfaz 'trator' de Lira e comanda menos da metade das sessões

há 21 horas 2

Mais afeito às costuras de bastidores do que à atividade no plenário, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), presidiu menos da metade das sessões em dois meses no novo cargo. Das 23 reuniões deliberativas realizadas nesse período, ele participou de apenas 10.

Aliados argumentam que Motta se dedicou a reorganizar a Casa e resolver os impasses sobre o Orçamento. Junto com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), ele articulou um acordo com o ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), no final de fevereiro para dar transparência às emendas parlamentares e divulgar de forma individualizada o autor de cada indicação.

A falta de uma agenda mais robusta no plenário, contudo, abriu caminho para que o projeto de anistia aos acusados dos ataques de 8 de janeiro tenha se tornado a pauta central da Câmara desde fevereiro, na opinião de deputados de esquerda, centro e oposição ouvidos pela Folha.

O PL e o ex-presidente Jair Bolsonaro fazem pressão diária para que o texto seja votado no plenário. Na última semana, o partido tentou obstruir a pauta para forçar Motta a se decidir sobre o tema.

Para dois líderes partidários, a falta de projetos polêmicos ou de maior impacto fez com que a Câmara se concentrasse em discutir a anistia e deixasse de pautar o debate na sociedade. A atuação de Motta no tema, inclusive, demonstraria a forma com que o novo presidente deve conduzir a Câmara nos próximos dois anos.

O presidente da Casa tem evitado antecipar o que fará com o projeto da anistia e, diante da pressão dos bolsonaristas, fez uma articulação nos bastidores para que os líderes partidários não assinassem o requerimento de urgência para o tema. Com isso, o PL terá de coletar no varejo as assinaturas e todo o processo será mais lento.

Desde que o deputado paraibano substituiu o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), 62 projetos foram votados no plenário. Metade eram acordos internacionais, que não costumam causar debates e geralmente são analisados às quintas-feiras, dia de menor atividade no Congresso.

Além disso, a Câmara priorizou projetos de consenso, como a proteção de crianças e adolescentes contra violência patrimonial (a Lei Larissa Manoela) e o projeto da reciprocidade de regras ambientais e comerciais nas relações do Brasil com outros países, que uniu a bancada ruralista ao governo Lula (PT).

O próprio Motta tem buscado explorar o tom de conciliação em seus discursos. Na última semana, num recado velado ao PL, no dia em que a Casa aprovou o projeto da reciprocidade, ele afirmou: "Este episódio entre os EUA e o Brasil deve nos ensinar definitivamente que, nas horas mais importantes, não existe Brasil de esquerda ou Brasil de direita".

A pauta mais simples se expressa até na ausência do presidente em muitas sessões de plenário: das 133 horas e 44 minutos desde fevereiro, Motta presidiu os debates durante apenas 10 horas e 8 minutos.

O presidente da Casa teria começado a corrigir a falta de uma agenda mais robusta de projetos com a criação de comissões especiais para os projetos de ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000, do Plano Nacional de Educação e da regulamentação da inteligência artificial. Serão instalados colegiados específicos para discutir cada tema.

Essa é uma diferença em relação a Lira. O ex-presidente era avesso às comissões especiais e preferia criar grupos de trabalho para debater os projetos, modelo que não está previsto no regimento e que permitia que ele escolhesse sozinho os deputados que participavam das discussões, incluindo presidente e relator. Foi o que fez, por exemplo, com a reforma tributária.

Embora os dois sejam aliados, Motta procurou, de forma discreta, desconstruir em seus dois primeiros meses os ritos que fizeram com que Lira fosse acusado por deputados de esquerda e de direita de "tratorar" o plenário –o que o ex-presidente da Câmara sempre negou, com o argumento de que tudo era combinado com líderes dos partidos.

Entre as mudanças em relação a seu antecessor, estabeleceu que a pauta do plenário seja decidida em reuniões às quintas-feiras e que os pareceres sobre os projetos sejam divulgados na semana anterior à votação. No fim da gestão de Lira, era comum que a pauta só se tornasse conhecida minutos antes do início das votações.

Além disso, o novo presidente determinou que, às quartas-feiras, entre 16h e 20h, as sessões exijam a presença dos deputados em plenário. Desde a pandemia, era autorizado que eles votassem exclusivamente pelo celular, o que fazia com que muitos não acompanhassem as sessões e sequer estivessem em Brasília.

Embora tenha adotado a prática de convocar todos os líderes, Motta tem um grupo mais próximo, o que vem causando críticas nos bastidores. As principais decisões são compartilhadas com os líderes do PP, Luizinho Teixeira (RJ), e do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), além de Lira e do presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI).

Motta também consulta um rol mais amplo de líderes, que representam os maiores partidos, como PT, PL, PSD e União Brasil, para assuntos sobre a pauta. Há queixas, porém, de que as decisões são tomadas junto com a "santíssima trindade" (Luizinho, Isnaldo e Lira) e chegam prontas para a ratificação dos demais.

Aliados de Motta dizem que ainda é incerto como ele conseguirá manter o equilíbrio de uma Casa polarizada e pressionada, sobretudo em pautas bolsonaristas. Com o STF, ele conseguiu pacificar a relação após o acordo das emendas.

Com o governo Lula, ele tem buscado uma relação mais próxima do que Lira –que chegou a insultar o então ministro responsável pela articulação política, Alexandre Padilha (PT). Ele também tem participado de eventos com o petista, como a viagem ao Japão e ao Vietnã, acompanhado de ministros.

Outra prática que o novo presidente reverteu de seu antecessor foi permitir a volta das comissões mistas com o Senado para votar as medidas provisórias. As MPs têm força de lei a partir de sua publicação, mas o governo tinha dificuldades em usá-las desde uma briga entre Lira e Rodrigo Pacheco (PSD), ex-presidente do Senado, que levou à derrubada de várias delas.

Alguns líderes avaliam que Motta ainda demonstra certa fragilidade, sobretudo diante de bolsonaristas. Seus aliados defendem, contudo, que o presidente tem pulso e é mais habilidoso do que Lira. Aos 35 anos, o deputado é o mais jovem da história a comandar a Casa.

Em uma das sessões do plenário que deixou de presidir, quando fazia reuniões em seu gabinete, Motta foi chamado às pressas ao auditório. Ele voltou à cadeira para dizer que não é frouxo e que será mais combativo que o antecessor.

Os deputados, que pouco antes estavam inviabilizando o debate com tumulto, aplaudiram a declaração de Motta.

Procurado por meio de sua assessoria, Motta não quis se manifestar sobre os dois primeiros meses de gestão.

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