Miranda: Falar mal de herdeiro é bom, mas é recalque?

há 1 mês 4

Spoiler: sim. É um pouco.

Explico. Outro dia, eu e um amigo —que tampouco é herdeiro, e que, para seu azar, também é artista— conversávamos sobre as dinastias artísticas do nosso país: os "nepo babies", ou bebês do nepotismo.

O termo ganhou fama após a revista americana New York publicar uma reportagem que destrinchava a genealogia de celebridades hollywoodianas, gerando indignação para alguns e prazer sádico, para outros (para mim).

Claro que há excelentes artistas que são herdeiros. E uma coisa não tem nada a ver com a outra —afinal, ninguém tem culpa de ter nascido rico (não acredito que escrevi isso). Também há péssimos artistas que são pobres. Ser um artista pobre torna sua trajetória muito mais difícil —você não herdou "networking" nem conta bancária. Mas isso não garante qualidade de trabalho.

Tem artista bom, rico e pobre. Tem artista ruim, rico e pobre.

Mas por que a gente —artista não herdeiro— ama reclamar dos "nepo babies"? Que recalque é esse?

Ano passado, eu criei um personagem nas minhas redes sociais, a Ametista, uma artista, herdeira, da zona sul carioca. Herdeira de sobrenome —de talento, nem tanto. Ela usa de seus privilégios para ter acesso a tudo e todos, sem necessariamente ter algo de especial para oferecer.

Ela é uma multiartista (cantora, atriz, compositora) justamente porque ela pode ser qualquer coisa. Ela pode se dar ao "luxo" de errar porque não há o imperativo do retorno financeiro batendo à porta. Ela já tem essa segurança. Ametista pode testar, errar e errar mais uma vez.

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Talvez por isso sejamos recalcados. No fundo, queríamos todos ser uma Ametista. Imagina poder tirar um sabático no sul da França, fazer um intercâmbio em Cambridge e, se der errado, tentamos tudo de novo? Credo, que delícia! Admito, tenho um pouco de inveja. Talvez um pouco mais do que um pouco.

Por que é tão gostoso falar mal de herdeiro? Porque, mesmo sem talento, o cara consegue ser visto (e muitas vezes, aplaudido). E talvez, dessa forma, a gente se isenta um pouco da responsabilidade pelo nosso sucesso. É mais fácil reclamar das "Ametistas" do que assumir que nosso projeto não deu certo —não porque não somos netas do Caetano (queria), mas porque, talvez, o projeto que julgávamos genial, seja apenas ruim (oh, no!).

Talvez eu só queria poder ter esse tempo de testar, errar e testar de novo, sem o vencimento das faturas me lembrando de que preciso "dar certo" logo, porque não sou nenhuma Ametista.

Deve ser bom ser herdeira. Mas, se eu tivesse nascido herdeira, eu não seria a Miranda.

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