Talvez Zeca Camargo faça de sua palestra sobre a crônica uma crônica. Afinal, as viagens costumam ser a base de suas colunas no caderno de turismo da Folha e, na noite desta segunda-feira (7), ele estava em Paris para apresentar sua visão sobre esse gênero literário na Universidade Sorbonne-Nouvelle.
"Eu vou falar não de literatura, nem de jornalismo —nem, na verdade, de crônicas como a gente imagina, escritas no papel—, mas de um caminho muito espontâneo", anunciou logo na abertura de sua palestra.
Cronistas, para ele, não são apenas os mestres reconhecidos da literatura, como Machado de Assis e Rubem Braga, mas também compositores como Assis Valente, Chico Buarque ou Gilberto Gil, com suas letras que retratam situações do cotidiano; ou ainda autores de novelas, como Dias Gomes e João Emanuel Carneiro.
"Estou falando de artistas que têm obras muito maiores que simplesmente a crônica. Mas o recorte da crônica sempre esteve presente neles, de maneira espontânea, natural e orgânica", afirmou.
Até mesmo em um programa de TV como o Big Brother Brasil é possível enxergar a crônica, segundo Zeca, ele mesmo um dos primeiros apresentadores de reality show da TV brasileira, com "No Limite", no ano 2000. "Independente de ser um bom produto ou não, o que cativa as pessoas a assistirem ao Big Brother até hoje, 25 anos depois, é que ele consegue contar histórias com que as pessoas se identificam", disse.
Devido ao tema de suas crônicas, Zeca viveu um período particularmente desafiador como autor durante a pandemia de Covid-19. "A pessoa escreve sobre viagem e de repente está impossibilitada de sair de casa. Então, eu usei a janela como metáfora em mais de uma crônica. Mas a pandemia nos obrigou a olhar um pouco para dentro."
A experiência rendeu o que Zeca qualificou como seu "único assanho" no terreno da ficção, o livro de contos "Quase Normal". Dele, destacou "Natureza", em que macacos saem da mata e ocupam um apartamento. O autor se inspirou no dia em que ele mesmo se deparou com um macaco-prego em sua cozinha. "As ruas estavam vazias, e ele estava retomando o lugar que nós tomamos dele. Disso você cria uma história."
No final da palestra, Zeca apresentou alguns de seus trechos favoritos de cronistas: além de Machado e Braga, citou João do Rio, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, Martha Medeiros e Antonio Prata, também colunista da Folha.
A palestra faz parte da programação do Printemps Brésilien, ou primavera brasileira, da Sorbonne-Nouvelle, organizada pelo professor de literatura brasileira Leonardo Tonus. O evento vai até junho, como parte do Ano do Brasil na França.