Com Isis Valverde, série 'Maria e o Cangaço' mostra visão feminina do sertão

há 1 semana 5

Numa cena, mulheres se reúnem ao redor da fogueira para falar sobre filhos e outras angústias de fazer parte de um grupo de cangaceiros. Já noutras, é possível ver a força delas durante o trabalho de parto no meio do mato, entre sangue, gritos e choro. Ambas compõem a série "Maria e o Cangaço", que acaba de estrear no Disney+.

Maria —que só recebeu o apelido Bonita após sua morte, em 1938— é interpretada por Isis Valverde, que aparece repetidamente com os olhos marejados, de raiva, tristeza ou dor. Para a atriz, dar voz às dores dessas mulheres é uma forma de brindar a própria história. "A morte e a vida estão de mãos dadas o tempo todo", diz ela, para quem isso compõe o sagrado feminino, com a mulher no papel da responsável por trazer a vida ao mundo.

Dirigida por Sérgio Machado, Thalita Rubio e Adrian Teijido, a série apresenta uma visão feminina do cangaço a partir da trajetória dessa personagem, mulher de Lampião —interpretado por Júlio Andrade—, com quem se uniu por vontade própria ao fugir de um casamento abusivo e infeliz. "Faltam espaços para a mulher se expor, contar suas histórias, suas dores", diz a atriz.

Em meio a disputas políticas em uma terra sem lei, onde a sobrevivência do mais forte é o que impera, Maria de Déa, como era chamada em vida, tenta seguir sua trajetória como mulher e mãe. Ela ousa não se submeter aos homens do bando e sonha com uma vida de conforto e estabilidade, mesmo quando já é bem conhecida e procurada ao lado do marido.

A história de Lampião e Maria Bonita, por muito tempo contada sob a perspectiva masculina, serviu de base para a série a partir do livro "Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço", da jornalista Adriana Negreiros. A obra traz um olhar aprofundado sobre as mulheres que se uniram ao bando, muitas vezes à força.

"A história do cangaço sempre foi retratada de forma romantizada, inclusive pelo cinema", afirma Negreiros. Segundo a autora, havia sempre um maniqueísmo entre ladrões e mocinhos, no qual as mulheres desapareciam da narrativa.

Durante suas pesquisas, um dos aspectos que mais chamou atenção foi o drama da maternidade, dada a brutalidade das condições em que as mulheres tinham filhos e a dor de entregá-los a terceiros —como Maria fez com Expedita. "Ela enfrentava tiros, falta de água, escassez de comida. Isso é uma violência extrema", diz.

A série também aborda a violência das uniões forçadas entre mulheres e cangaceiros, além da dor de assistir à morte de familiares. Na cultura popular, Lampião sempre foi retratado com heroísmo, quase como uma figura mitológica que se rebelava contra a opressão militar.

Maria Bonita, por sua vez, nem sempre foi envolvida nesse imaginário, algo que Negreiros desconstruiu em seu livro —e que a série tenta reprisar. Não se pode dizer que lutava pelos direitos das mulheres, uma vez que seguia as normas do grupo. Ainda assim, ela se mostrava forte e transgressora.

Negreiros afirma que seria anacrônico esperar atitudes feministas ou um senso de sororidade de Maria Bonita e das outras cangaceiras. "Seria até desonesto com elas, pois essas ideias nem existiam na época. Elas eram sobreviventes, faziam o que podiam para seguir em frente. Mas também eram mulheres do seu tempo, inseridas na ética do sertão, que pregava que a mulher devia submissão ao homem a quem pertencia", diz, acrescentando que, no entanto, elas desafiavam certas normas.

Desde o início, é evidente que Maria Bonita não tem um sotaque nordestino autêntico, apesar da tentativa. Natural do interior de Minas Gerais, Ísis Valverde afirma que precisou se preparar para assumir o papel. "A primeira coisa que eu precisava fazer era me desconectar, para que a coisa fluísse", diz.

Apesar das diferenças geográficas e temporais, a atriz conta ter encontrado pontos em comum com a personagem, principalmente na experiência da maternidade e no desejo de viver. O processo foi intenso e emocionalmente desafiador, ela conta. "Senti muita saudade do meu filho durante as gravações. Eu chorava. Foi difícil."

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A abordagem feminina da série também influenciou a interpretação de Lampião. O cangaceiro, segundo o ator Julio Andrade, se tornou mais humano. "Quando Maria Bonita entra para o cangaço, outros cangaceiros também começam a querer levar mulheres para o grupo. De alguma forma, isso os afetou."

Grande parte das gravações ocorreu em Cabaceiras, na Paraíba, região de paisagens áridas e rochosas, ainda fiéis ao cenário da época. A fotografia da série é de Adrian Teijido, que também assinou a de "Ainda Estou Aqui", vencedor do Oscar de melhor filme internacional. Ao recriar os locais por onde o cangaço passou, a série reconta parte da história do Brasil.

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