Após uma década que pareceu um grande passo na aceitação de corpos reais por meio do movimento "body positive" e um discurso de exaltação para além do padrão magro e branco, estamos de volta ao passado.
Para os mais otimistas o movimento poderia transformar como o mundo vê diferentes corpos; aos mais ingênuos, até se assemelhar a uma revolução, tamanha a pressão gerada na mídia para incluir pessoas queer, negras, gordas, deficientes, e combater preconceitos. Às minorias, mesmo inebriadas pelo empoderamento, a verdade sempre esteve à espreita: isso também é marketing.
Em 2024, as marcas não abrem mão da diversidade, mas a usam com desleixo, sem se comprometer de fato. O desfile da Victoria’s Secret nesta terça-feira (15) foi só uma das bandeiras que fincamos no passado. Ainda esse ano vimos publicações sobre a barriga da ubermodel Gisele Bündchen, assistimos o corpo de Yasmin Brunet virar debate ao participar do Big Brother Brasil 2024, e os ataques gordofóbicos a quem a criticou. A moda ‘heroin-chic’ e o incentivo a hábitos alimentares disfuncionais, sob o pretexto da saúde, também se mostraram sólidos como se seus impactos não tivessem sido discutidos à exaustão.
Da música à moda, a indústria que sinalizava nova abordagem volta a ficar confortável para criticar até os corpos mais padronizados e desejados do mundo.
É claro que a Victoria’s Secret, que não fazia os "icônicos" desfiles com supermodelos de lingeries e asas desde 2018, é uma peça da cultura pop. A força da estética que a marca vende há tanto tempo aparece nas redes sociais sem a problematização dos últimos anos: "queremos corpos inalcançáveis, sim" e "corpos normais vemos nas ruas", escreveram diferentes perfis.
Ainda que a nostalgia seja um elemento compreensível que une o público queer, as mulheres cis e a cultura pop, não ignoremos que a nova versão do evento, lançado em 1995, retoma o que há de mais comum no mercado: viabilizar o lucro por meio da objetificação feminina e as inseguranças que ela nos impõe.
Não se pode medir a irresponsabilidade de afirmações que celebram corpos irreais e os comportamentos que desencadeiam, mas cabe questionar: qual o custo emocional, social e físico a que se adere ao celebrar um padrão que adoece e até mesmo mata pessoas? A taxa de mortalidade da anorexia nervosa, por exemplo, chega a 20%, seja por decorrências físicas ou por suicídio.
Para quem, afinal, vale a pena a volta das calças de cinturas baixas e as ideias de valor associado à magreza, porcamente maquiadas?
Agora vemos os padrões repaginados, mas cumulativos. Peso baixo, musculaturas definidas, rostos harmonizados, bocas preenchidas, testas imóveis. Tudo isso deve compor nossos corpos, e de forma "natural". Devemos parecer jovens, mas também fingir que aceitamos envelhecer ou engordar –engodo que a própria Victoria’s Secret ilustra ao trazer à passarela algumas mulheres de 50 anos ou mais gordas do que nas apresentações anteriores, mas mais cobertas do que as mais jovens e mais magras.
É claro que tudo isso não se deu nesta semana, com a reaparição das angels —mas o desfile evidencia a volta dos que não foram.