Quando o marco do saneamento foi aprovado em 2020, um dos principais objetivos era incentivar a entrada de novas empresas num setor até então dominado por companhias estaduais e municipais. De lá para cá, uma série de concessões foi feita e, apesar da chegada de grupos privados, o mercado vive outro tipo de concentração.
Hoje, 84% dos serviços privados de água e esgoto estão na mão de quatro companhias: Aegea, BRK, Iguá e Equatorial.
Alguns especialistas enxergam esse processo com naturalidade e atribuem a baixa diversidade de empresas a inseguranças regulatórias que ainda rondam o setor. No entanto, há quem veja características de oligopólio no atual cenário.
O Brasil tem hoje 1.648 municípios atendidos por operadores privados, segundo levantamento da Abcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto). Isso representa um avanço de 466% desde o início do marco do saneamento.
Desse total, mais de 1.400 cidades estão com concessionárias ligadas a alguma das quatro maiores empresas do país.
A maior é a Aegea que, sozinha, detém quase metade do mercado privado de saneamento. Considerando os leilões recentes em que saiu vencedora —mas cuja operação ainda não começou de fato— a empresa está presente em mais de 760 municípios.
Em 2024, o grupo levou o leilão de concessão do Piauí e uma PPP (parceria público-privada) da Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná). Com isso, vai atender 34 milhões de pessoas a partir do próximo ano.
O segundo maior grupo privado do saneamento é a Equatorial, que virou um gigante do setor após se tornar acionista de referência da Sabesp e entrar em 375 municípios paulistas. Antes, a companhia era responsável apenas pela concessão das 16 cidades do Amapá. Agora, detém 23% da fatia de mercado dos serviços de água e esgoto.
Já a Iguá está presente em mais de 120 municípios, o que representa 7%. Em setembro, venceu o leilão para operar em 74 cidades de Sergipe, no que será o maior contrato da companhia.
A BRK, antiga Odebrecht Ambiental, tem em seu portfólio operações em Pernambuco, Pará, Alagoas, Tocantins, Rio de Janeiro e outros estados, respondendo por 6,2% do mercado privado de saneamento.
Christianne Dias, diretora executiva da Abcon, diz achar natural que, no processo de abertura para o setor privado, haja uma concentração em algumas empresas num primeiro momento.
Folha Mercado
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Segundo ela, processo semelhante ocorreu no setor elétrico e é provável que o Brasil veja uma diversidade maior de players nos próximos anos.
Christianne pondera que, embora os grandes leilões tenham um número reduzido de participantes, o mercado tem visto as companhias se revezarem nos contratos. "Cada hora uma leva."
Sobre a perspectiva de que novas empresas entrem no mercado, a executiva lembra que, recentemente, a Acciona fez sua estreia no setor ao ganhar uma PPP com a Sanepar e que o Pátria Investimentos apresentou proposta no leilão de Sergipe.
"É um indício de que alguns investidores que olhavam para o setor elétrico agora estão olhando também para o saneamento", afirma.
Na avaliação de Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil, um maior número de companhias tornaria o setor mais competitivo, elevando a régua de uma maneira geral.
No entanto, ela afirma que a pouca pluralidade ocorre por motivos como insegurança jurídica recente, pulverização de agências reguladoras e o fato de ser um setor intensivo em capital.
"Não é qualquer um que consegue colocar R$ 4,5 bilhões numa outorga. Isso naturalmente vai eliminar muitas empresas", diz.
Já para Marcos Montenegro, coordenador do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento), o domínio de poucas empresas num segmento tão importante quanto água e tratamento de esgoto é visto com preocupação.
Ele lembra que defensores das privatizações argumentavam que o serviço era monopolizado em cada estado. A abertura de mercado, porém, não mudou essa configuração. "Há um avanço da oligopolização da prestação do serviço", diz.
Marcos questiona onde está a competitividade prometida, destacando que mais de 90% da população que recebe serviço de uma empresa privada está nas mãos de uma concessionária ligada a Aegea, Iguá, BRK, Equatorial ou a Águas do Brasil.
"Isso é ruim, pois há muitos ovos na mesma cesta. Se um grupo desses tem algum problema, de financiamento, por exemplo, eventualmente haverá uma repercussão muito grande na prestação do serviço."