Comparar seus investimentos com o dólar é como medir sua altura com a régua do vizinho. Ela até pode parecer mais longa, mas não mostra o quanto você cresceu de verdade.
Ontem, o leitor Noel Neves fez uma colocação que revela um hábito comum entre brasileiros que já investiam antes do Plano Real. Ele escreveu: "Atrelei o valor do meu imóvel ao dólar. Estou certo ou errado? Comprei por 80 mil dólares em 2008. Hoje, pra mim, vale os mesmos 80 mil."
Durante muito tempo, esse raciocínio fez sentido. Sem títulos acessíveis para proteger contra a inflação e com um histórico de moedas instáveis, brasileiros usavam o dólar como referência — um símbolo de proteção e estabilidade. E, por muitos anos, isso funcionava. Entretanto, acho que existe forma mais adequada para os dias atuais.
Os tempos mudaram. Hoje, temos instrumentos confiáveis para medir o desempenho real de um investimento. Índices de inflação como o IPCA do IBGE, o IPC da Fipe ou o INPC da FGV permitem avaliar se um ativo manteve seu poder de compra. Os três medem a inflação ao consumidor por instituições diferentes. E mais: temos alternativas de investimento indexadas à inflação, como os títulos públicos referenciados ao IPCA, que oferecem retorno real — ou seja, acima da inflação.
Para entender o equívoco de usar o dólar como régua de desempenho, vale inverter o raciocínio. Imagine um investidor americano que, em 2008, converte seus dólares em reais, compra um imóvel no Brasil e, passados 17 anos, esse imóvel vale exatamente os mesmos 80 mil dólares. Ele estaria satisfeito?
É pouco provável. Mesmo mantendo o valor nominal na sua moeda, ele perdeu poder de compra. A inflação acumulada nos EUA nesse período foi de cerca de 46%, ou 2,29% ao ano. Ou seja, seu dinheiro perdeu valor.
E sejamos francos: esse investidor não ficaria feliz nem empatando com a inflação. Afinal, ele abriu mão de usar aquele capital por quase duas décadas. No mínimo, esperaria um juros real por isso — como o que teria conseguido com títulos do Tesouro americano. Adicionalmente, também poderia não estar feliz ganhando apenas isso, pois imobilizou o dinheiro e correu riscos.
O mesmo vale para nós, brasileiros. Precisamos avaliar nossos investimentos com base na nossa inflação e nas nossas alternativas de aplicação. Dolarizar o valor de um ativo pode parecer sofisticado, mas não mede seu desempenho.
Como citamos acima, seria adequado que o investimento remunerasse a inflação, acrescida de um juros real e de um prêmio pelo risco e pela falta de liquidez.
No caso do Noel, desde meados de 2008, o índice IMA-B — que reflete a média de desempenho dos títulos públicos atrelados ao IPCA — teve uma valorização de 519%, enquanto o IPCA acumulado foi de 157%. Já o dólar subiu 265% frente ao real no mesmo período.
Se o imóvel dele vale os mesmos 80 mil dólares de 2008, isso representa uma valorização de 42% acima do IPCA, o equivalente a cerca de 2,1% ao ano de ganho real. Parece bom — mas ficou abaixo dos títulos públicos IPCA+, que no mesmo período entregaram, em média, um juro real de 5,36% ao ano.
Ou seja, para que o investimento de Noel tivesse empatado com o IMA-B, o retorno líquido de aluguel (descontados custos e vacância, mas antes de IR) precisaria ter sido superior ao equivalente a 3,2% ao ano. Caso contrário, seu imóvel teria ficado atrás de uma alternativa mais simples, líquida e ajustada à inflação como os títulos públicos. Não vou nem considerar o quanto ele teria perdido se tivesse investido em CDBs dentro da garantia do FGC.
E ainda há outro ponto: faz sentido assumir o risco e a falta de liquidez de um imóvel para obter um retorno inferior ao de um título público de baixo risco? Não seria adequado exigir um prêmio pela iliquidez e pelo risco de perder do título público ou de um CDB dentro do FGC?
O dólar não é um índice de inflação. Tampouco é uma referência de retorno. É apenas uma moeda — e uma moeda que carrega os riscos e as oportunidades de outro país, com outra economia, outro custo de vida, outra régua.
Portanto, o mais adequado é usarmos nossa própria régua. Porque retorno real não se mede com o que parece subir, mas com o que realmente faz você avançar.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
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