Desde a descoberta da tumba de Tutancâmon no Vale dos Reis, no Egito, há mais de cem anos, o conteúdo foi examinado inúmeras vezes. Mas novos detalhes continuam a surpreender os arqueólogos.
Recentemente, uma equipe da Universidade de York (Inglaterra) investigou as orelhas furadas da máscara mortuária de Tutancâmon. Essa é uma característica que, segundo os pesquisadores, era geralmente reservada para realeza feminina ou jovem.
Tutancâmon nasceu por volta de 1341 a.C. –uma época incomum na história do Egito Antigo. Seu pai, o chamado faraó herege Aquenáton, e sua madrasta, a famosa rainha Nefertiti, governavam na nova cidade no Egito central, Akhetaton (atual Amarna). Lá, eles elevaram o novo deus do estado, o deus do sol Aton, acima de todos os outros.
As mudanças resultantes no protocolo religioso significaram que o poder foi retirado dos sacerdotes de alto escalão do deus supremo Amon, junto com o controle político que eles estavam acostumados a ter. Após a morte de Aquenáton, os eventos são um tanto obscuros, embora muitos estudiosos acreditem que Nefertiti pode ter continuado a governar por direito.
O governo de Tutancâmon foi breve, como sua vida. Ele tornou-se faraó aos nove anos de idade e morreu quando tinha cerca de 18 ou 19 anos. Durante esse período, levou a corte de volta às capitais tradicionais de Tebas e Mênfis e restabeleceu Amon e os sacerdotes. Essas mudanças significam que as discussões e conclusões sobre o período de Amarna (1353-1322 a.C.) —que foi o período durante o qual Tutancâmon e seu pai governaram— não são simples.
Equipamento da tumba real
O local de descanso de Tutancâmon, no Vale dos Reis, é relativamente pequeno. Isso levou à especulação de que era originalmente destinado a uma nobre, rainha ou princesa.
A crença antiga de que Tutancâmon morreu repentinamente e teve que ser enterrado às pressas responde pela maioria das ideias sobre sua tumba e os respectivos equipamentos. Isso também foi usado para explicar por que tanto material de outros membros da realeza e nobres foi reutilizado.
Porém, Aidan Dodson, professor de Egiptologia e autor de vários livros sobre o período de Amarna, apresenta um argumento ligeiramente diferente. Neferneferuré, uma das filhas de Aquenáton, nunca recebeu um enterro real. Portanto, é provável que os objetos dela tenham sido reaproveitados para Tutancâmon no início de seu reinado. Significaria, então, que o equipamento funerário do sepultamento dele já estava essencialmente concluído quando ocorreu sua morte precoce, em vez de ter sido montado às pressas.
O túmulo real de Tutancâmon, provavelmente, ainda estava incompleto. Por isso, ele teria recebido o jazigo já existente e que havia sido destinado a uma nobre ou realeza menor.
A reutilização de equipamentos de tumbas era comum neste período, incluindo caixões e jazigos, então o fato em si não é estranho. Em 2015, o egiptólogo Nicholas Reeves argumentou que esses objetos provavelmente incluíam a máscara mortuária de ouro do rei. Ele se baseia no fato de que a máscara é feita de duas partes.
Agora, a equipe da Universidade de York está sugerindo que o rosto original da máscara foi removido e substituído, mas as orelhas "femininas" foram deixadas intactas.
Quais são as implicações?
Os estudiosos da Universidade de York não são os primeiros a propor que as orelhas furadas na máscara de Tutancâmon são significativas.
O local original do sepultamento de Nefertiti ainda não foi descoberto, embora uma múmia que pode ser a rainha talvez tenha sido localizada. Em 2015, Reeves cogitou que ela estaria enterrada atrás de uma parede da tumba de Tutancâmon. Mas investigações de sensoriamento remoto derrubaram essas alegações.
Quanto à questão da máscara ter sido reaproveitada, uma análise feita pelo especialista em restauro e conservação de metais Christian Eckmann, em 2015, demonstrou que o fato de ela ser composta de duas partes não permite conclusões específicas porque essa era, na verdade, a maneira normal como tais máscaras eram feitas. Eckmann não encontrou nenhum vestígio de que o rosto tivesse sido substituído.
As múmias de Tutancâmon e de outros reis ainda exibem orelhas furadas, então a representação dos piercings em retratos como a máscara de ouro não deve ser nenhuma surpresa.
Portanto, não há base real para as propostas da equipe de York, no que diz respeito aos piercings ou qualquer significado para a história da máscara. No entanto, a discussão das características da máscara prova que, mais de cem anos após a redescoberta de Tutancâmon, a vida após a morte do jovem rei continua a inspirar a imaginação do público.
Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original