Marte pode abrigar reservatório de água suficiente para cobrir o planeta

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Pesquisadores dizem ter encontrado evidências de que existe água líquida em Marte nos poros de rochas ígneas na crosta do planeta. De acordo com os dados captados pela sonda da Nasa InSight Lander, o reservatório no interior marciano pode ser suficiente para cobrir o planeta com uma profundidade entre 1 e 2 quilômetros.

O autor do estudo, Michael Manga, pesquisador da Universidade da Califórnia de Berkeley, avalia que o local, em princípio, pode conseguir sustentar vida. "Água é necessária para a vida como conhecemos. Isso não significa que há vida em Marte, mas pelo menos tem ambientes que poderiam possivelmente ser habitados", afirmou à Folha.

Na Terra, por exemplo, existem bactérias extremófilas que conseguem viver sob condições de alta temperatura e pressão. Bactérias quimiossintéticas vivem quilômetros abaixo da superfície e utilizam a energia eletroquímica da rocha para gerar nutrientes.

Segundo o estudo publicado na revista Pnas nesta segunda-feira (12), a água do planeta está localizada entre cerca de 11,5 km e 20 km de distância abaixo da superfície. Isso torna seu uso inviável para exploração em futuras missões ou colonização de Marte. Mesmo na Terra, cavar a uma profundidade de 1 km já é um grande desafio.

Um passado de oceano

Nos anos 1970, a sonda Mariner 9 fotografou Marte com maiores detalhes. O equipamento mapeou mais de 85% da superfície marciana e enviou cerca de 7.000 fotos do planeta. A missão trouxe as primeiras evidências claras de estruturas espalhadas por toda a superfície do planeta que eram canais de escoamento. "A interpretação mais direta é que houve grande quantidade de água", explica Gustavo Porto de Mello, professor do Observatório de Valongo.

A porção sul do planeta tem regiões mais altas e cheias de cratera, enquanto no norte o relevo é mais liso e baixo. Isso aponta para a existência de um oceano no norte, que desapareceu há 3 bilhões de anos. Já se sabia que parte foi perdida para o espaço, outra está congelada nos polos do planeta e sob a forma de permafrost (solo congelado, que também existe na Terra).

O estudo traz novas evidências de que outra parte se acumulou nos poros de rochas ígneas, produtos do resfriamento do magma. A água fica alojada em orifícios minúsculos entre as moléculas de minerais.

"Se você calcula o que pode ter guardado nas calotas polares e sob a forma de permafrost daria para cobrir o planeta com uma camada de algumas dezenas de metros de água. É uma quantidade considerável", diz o professor do Observatório de Valongo.

Uma junção de fatores pode ter acarretado a perda de água pelo planeta. A perda do campo magnético contribuiu para a dissipação da atmosfera marciana. A baixa pressão atmosférica tornou a água líquida na superfície instável, e o planeta perdeu seu ciclo hidrológico.

Em altitudes elevadas, o vapor d’água ficou exposto aos raios UV, o que provoca sua quebra. Nesse processo, o hidrogênio se perde por ser bastante leve, enquanto o planeta não tem uma gravidade forte o suficiente para reter esses átomos.

Para Mello, é possível que a maior parte da água do planeta tenha ido para reservatórios na crosta. Os resultados do artigo científico recém-lançado são semelhantes aos de um de 2021 feito por pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Conforme a pesquisa, entre 30% e 99% da água de Marte ficou retida em rochas na crosta do planeta.

O pesquisador e pós-doutorando do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) Bruno Nascimento-Dias diz que uma das principais hipóteses que explicam a água no interior de Marte é o movimento das placas tectônicas. Ao se afastarem, a água pode ter entrado na crosta.

Na visão de Dias, a confirmação de que, de fato, há água líquida em Marte amplia a motivação de buscar a existência do recurso em locais mais acessíveis e próximos à superfície.

Os dados da InSight Lander

A InSight Lander pousou em Marte em 2018 e sua missão se encerrou em 2022. O objetivo era reunir informações que ajudassem a explicar os processos por trás da formação do planeta vermelho. Durante o período, a sonda produziu um "tesouro de dados" que poderão ser usados pelas próximas décadas, segundo Gustavo Porto de Mello.

Pós-doutoranda da Universidade de Lund, na Suécia, Aline Novais explica que a Insight Lander conseguia detectar na superfície movimentos que acontecem no interior do planeta. Os pesquisadores compararam os dados da sonda com diferentes modelos de rochas da Terra e diferentes quantidades de água nos poros.

"De acordo com o que eles observaram dessa atividade sísmica eles conseguem inferir qual desses modelos é o que mais se aproxima do que acontece em Marte", diz a pós-doutoranda. "Isso é um trabalho estatístico, está medindo a probabilidade de um modelo representar a realidade."

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