'Made in Italy' vira mantra no Salão do Móvel de Milão em meio à guerra comercial

há 1 dia 3

Enquanto a indústria tenta entender como reagir a uma guerra comercial global, designers revisitam práticas antigas e materiais artesanais, sugerindo a delicadeza e a resiliência do fazer à mão como respostas.

Principal feira do setor, o Salão do Móvel de Milão foi marcado neste ano pelo tarifaço anunciado pelo presidente Donald Trump. Desta edição, encerrada neste domingo, participaram mais de 2.000 expositores de 37 países.

Para a indústria italiana, que exporta mais da metade de sua produção e tem nos Estados Unidos o seu segundo maior mercado, o clima é de pura tensão, diante do cenário "complexo" e "preocupante", nas palavras de Maria Porro, presidente do Salone, como a feira é chamada em italiano.

"Temos mais 90 dias para criar pontes e agir para encontrar novas oportunidades", afirmou Porro no terceiro dia do evento, logo após Trump anunciar uma trégua na cobrança de tarifas. "Somos uma indústria que fala muitas línguas", disse, apontando o Golfo Pérsico, a Índia e a América do Sul como alvos.

Exaltar a qualidade da fabricação italiana, do "made in Italy", virou um mantra. "Temos que reforçar que qualidade, em toda a cadeia, é o único caminho. As pessoas têm que entender o que é de qualidade e o que não é", disse Porro.

A fabricante de alto padrão Poliform, presente no Brasil por meio da Casual Móveis, listou a "excelência italiana" e a capacidade de adaptação como diferenciais. "Estamos em fase inicial de determinar o impacto em nossos mercados nas Américas", afirmou Laura Anzani, responsável pela operação nos Estados Unidos.

A alguns pavilhões dali, os designers do Salone Satellite, ala dedicada a quem tem menos de 35 anos, conversavam, alheios à ansiedade do empresariado, sobre seus processos de produção. Sob o tema "Novo Artesanato, um Mundo Novo", eles foram convidados pela curadora Marva Griffin a resgatar técnicas tradicionais de seus territórios.

A capixaba Natalia Scarpati foi selecionada por suas luminárias de pedras naturais, como a Narciso, de quartzito de vitória-régia, produzidas com descartes de pedreiras e corte digital. "Novo artesanato, para mim, quer dizer unir a prática tradicional de marmoristas à tecnologia em peças contemporâneas", disse.

Na competição entre 130 projetos, o primeiro lugar ficou com Kazuki Nagasawa, designer do estúdio japonês Super Rat, que apresentou uma linha de utensílios feitos de cascas de árvores transformadas em fibras. Os fios são tratados e tingidos com materiais naturais, como tanino de caqui, resultando em vasos e tigelas resistentes, apesar de leves e translúcidos.

O fazer à mão apareceu de forma transversal, inclusive na indústria. Na Cassina, uma das marcas mais importantes da Itália, um dos lançamentos são as mesinhas da holandesa Linde Freya Tangelder, feitas de vidro soprado à boca em molde de ferro movido manualmente. Também a vêneta Miniforms deu destaque no Salone para o móvel com essa técnica.

Na Hermès, o vidro é protagonista da nova coleção casa. Soprado, como em vasos e jarras, ou laqueado, como nas mesinhas do espanhol Tomás Alonso, o material foi valorizado pela cenografia branca e cheia de recortes da mostra em Milão, que costuma ser uma das mais bem realizadas.

Fora da feira, participantes da semana de design não se limitam a exibir novos produtos. A escolha do endereço, a expografia, a argumentação e a teatralidade contam tanto quanto os lançamentos. Neste ano, uma das mais elogiadas foi a parceria da grife Loro Piana com o Dimorestudio. Com alusões ao universo cinematográfico, efeitos sonoros e de luz, a instalação recriou um apartamento dos anos 1970, com cores terrosas quentes e móveis revestidos de veludo, cashmere e com detalhes de latão.

Tanto o Dimore quanto a galeria Nilufar Depot, outra referência local em tendências, sugeriram salas de estar no formato "conversation pit", quando os estofados ocupam um espaço rebaixado do resto da casa, forçando a interação entre as pessoas —comum nos anos 1960, apareceu no apartamento nova-iorquino de Don Draper na série "Mad Men". Na galeria, o prateado de metais foi a principal proposta, em móveis imersos em superfícies cobertas por lã de alpaca vermelha e rosa.

O conforto, tanto quanto a aparência, é o que explica a nova leva de poltronas e sofás volumosos, chamados de "bold". Assim é Butter, o sofá modular de até seis peças criado pela britânica Faye Toogood para a Tacchini. A forma, segundo ela, nasceu ao modelar à mão a manteiga, tipo brincadeira de massinha. "Queria um assento confortável e tátil", diz. Já a Acerbis resgatou a poltrona Palla, criada em 1969 por Claudio Salocchi, que descompôs o formato de esfera em assento e apoio de pés, que se encaixam.

Em seu papel de propor soluções, e não só produtos, o design exibido em Milão incluiu sugestões para repensar o ciclo de vida de peças e materiais. Na mostra Alcova, os japoneses do estúdio Atma montaram quase uma dezena de móveis diferentes com pedaços de cadeiras quebradas. Já na exposição Mosca Partners, o Honoka, outro grupo japonês, mostrou azulejos desenvolvidos a partir da reciclagem de garrafões de água para bebedouro.

Como de praxe, a House of Switzerland, que reúne ideias saídas das universidades e experimentações de jovens profissionais, deu espaço para o design inclusivo, com acessórios que buscam descomplicar o dia a dia de pessoas com deficiência, como anéis para a digitação no teclado. O suíço Dversa mostrou pratos com desníveis internos, bordas altas e base antiderrapante que facilitam as garfadas de quem tem o movimento das mãos limitado.

No Salone Satellite, até as crianças foram incluídas. O estúdio Minomushi criou um kit para que elas finalizem em casa os próprios móveis de brincar. Sobre estruturas de metal de um carrinho ou cavalinho de balanço, a criança pode fazer o assento com spray de espuma de poliuretano, que se expande e endurece rapidamente

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