Que Lula (PT) precisa melhorar seu diálogo com as igrejas evangélicas, muita gente concorda. O presidente só não está totalmente convencido sobre a melhor abordagem para tanto.
Cumprida metade de seu terceiro mandato, Lula fez alguns gestos para o segmento que vem lhe dando más avaliações em série. Ainda assim, auxiliares apontam que ele tem dificuldade de reconhecer a dimensão do problema e não gosta muito da ideia de formular uma mensagem específica para o grupo.
Desde a campanha de 2022, o presidente se diz convencido de que é capaz de falar para todos os brasileiros, independentemente da religião. Resta a seus correligionários ir tentando abrir canais diretos com esse bloco cristão, que já deu maioria dos votos ao petista no passado.
Lula evitou o quanto pôde marcar agendas evangélicas durante uma corrida de alto calibre religioso, com Jair Bolsonaro (PL) aplicado no beija-mão a pastores. Sua equipe organizou dois encontros, um no primeiro turno e outro no segundo, com lideranças progressistas amigáveis ao PT, mas com pouca capilaridade nos templos.
Algumas cenas dos anos 2000, quando presidiu o país por oito anos, podem hoje parecer insólitas. O pastor Silas Malafaia apareceu em sua propaganda eleitoral em 2002, o senador Magno Malta (PL-ES) exaltou uma "história vitoriosa" de vida, o bispo Edir Macedo se empenhou na eleição de sua protegida Dilma Rousseff.
Os anos Bolsonaro, de intensa cruzada antipetista nas igrejas, ajudaram a calcificar um ranço contra Lula entre fiéis. Levantamentos do Datafolha indicam que, mesmo fora do contexto agressivo da eleição, essa parcela segue refratária ao petista.
A avaliação positiva do governo não chegou a piorar. Em março de 2023, 28% dos evangélicos diziam que o governo era ótimo ou bom. Agora são 26%.
O problema para Lula se dá na outra ponta. O percentual de crentes que classificam a gestão como ruim ou péssima foi de 35%, no início do mandato, para 43% na pesquisa de dezembro deste ano. A margem de erro para esse recorte religioso variou de quatro a cinco pontos percentuais nas pesquisas.
"Existe uma desconfiança enraizada entre evangélicos, alimentada pela forma como muitas igrejas têm mobilizado narrativas de medo sobre a esquerda", diz advogada e socióloga Juliana Maia Victoriano, que pesquisa religião e movimentos sociais.
Mas é preciso reverter certa paralisia que atravanca a ampliação de um "debate diretamente com a base evangélica". Essa bancada, ela aponta, não é um espelho desse estrato populacional, muito mais negro, pobre e feminino do que os congressistas que o representam em Brasília.
"Reconhecer essa pluralidade é essencial para que o governo consiga criar espaços de diálogo nos contextos locais, sem ficar exclusivamente focado numa estratégia que dialogue com parlamentares", diz Victoriano. "Evidentemente, eles têm votos que podem prejudicar as pautas do governo. Mas, na medida em que essas disputas também acontecem na base, o governo ganha poder de barganha."
"A articulação com parlamentares da bancada avançou", diz o pastor Luis Sabanay, do Núcleo de Evangélicos do PT. Não que o céu seja de brigadeiro. "Setores conservadores ainda resistem, influenciados por discursos polarizadores."
O segundo ano do Lula 3 marcou um ajuste de rota. Na avaliação interna, são notórias as dificuldades de comunicação da esquerda com as igrejas. Por um lado, atribui-se o entrave a uma fábrica de fake news da direita contra o PT. Por outro, admite que a esquerda perdeu seus laços com uma periferia que acabou forjando vínculos comunitários profundos com denominações evangélicas.
Poderia ser pior. Auxiliares lulistas celebram a aproximação com o deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), ex-bolsonarista que há dois anos disse que receberia militantes petistas "na bala".
Em outubro, ele liderou uma bênção coletiva a Lula, que sancionava no dia a criação do Dia Nacional da Música Gospel. Otoni tenta, agora, eleger-se presidente da bancada evangélica em 2025. O Planalto torce por esse desfecho.
O deputado mantém uma crítica genérica à esquerda, mas hoje diz que não lhe cabe "ficar xingando Lula".
Há, para desafetos de Otoni, uma flagrante disposição fisiológica em seu comportamento. Já assessores de Lula veem com alívio a reconstrução de pontes entre fiéis e governo.
"A dificuldade já foi maior", resume o batista Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), raro evangélico na Esplanada. "Se fizéssemos algo artificial, teríamos tido avanços mais óbvios, mas não é nisso em que acreditamos. Uma relação natural, espontânea, demora mais, mas tem resultados mais duradouros."
Em 2023, membros do primeiro escalão chegaram a organizar reuniões, coordenadas por Messias, para apresentar pesquisas que procuravam rastrear os desafios do governo nesse campo.
As questões mapeadas são velhas conhecidas da esquerda: uma barreira diante de temas morais e a resistência dos evangélicos a políticas identitárias, por exemplo. Agora, o governo está mais restrito a "ações ocasionais", nas palavras de um assessor de Lula.
No primeiro semestre, veio a campanha publicitária para exaltar feitos governamentais, batizada "Fé no Brasil". No pleito municipal, o PT lançou a Cartilha Evangélica, para melhorar a interlocução com os crentes.
Sabanay, o pastor ligado à sigla, cita o Acredita, programa que prevê linhas de crédito para quem quer empreender "e que contou com a adesão de mais de 70 igrejas", além de atitudes simbólicas, como reconhecer os dias da Música Gospel e do Pastor e da Pastora Evangélicos.
Continua um impasse no Executivo ante uma PEC que amplia a imunidade tributária das igrejas, apresentada pelo deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), sobrinho de Edir Macedo.
O rumo dessa relação para o próximo biênio ainda é incerto. "Não vamos nos pautar pela lógica da instrumentalização política da fé de ninguém", diz Messias. "O governo não tem na sua motivação tirar o Bolsonaro do púlpito e colocar o Lula. O objetivo sempre foi ter Jesus no púlpito."