O alagoano Arthur Lira (PP), 55, encerra no final de janeiro seus quatro anos de comando na Câmara dos Deputados com uma trajetória de difícil paralelo na história recente.
O líder do chamado centrão consolidou esse grupo de deputados de centro-direita e de direita como a principal força do Congresso.
Tendo como grande trunfo o controle da distribuição das emendas parlamentares (que chegaram ao valor recorde de mais de R$ 50 bilhões graças ao seu empenho), exerceu amplo poder tanto na gestão de Jair Bolsonaro (PL) quanto na de Lula (PT).
"Se tem uma coisa boa nesse país, se tem uma coisa justa, são as emendas parlamentares", disse Lira em 2019.
À lista de feitos se soma o fato de chegar ao fim do segundo mandato tendo tornado favorito o nome que escolheu para sucedê-lo, Hugo Motta (Republicanos-PB), fato inédito ao menos nas últimas duas décadas.
Hugo disse à Folha que a gestão do aliado deixa como legado o fortalecimento do Legislativo. "Com ele, a Câmara foi protagonista do crescimento do país nos últimos anos."
No ambiente interno da Casa, usou a distribuição de relatorias de projetos para ampliar seu poder sobre os colegas e pautou votações relâmpago a depender de suas conveniências, com debate restrito a poucos interlocutores e sem seguir o rito normal de tramitação.
Um exemplo disso se deu na aprovação do pacote de gastos do governo. A PEC que integrava as medidas foi aprovada em dois turnos menos de 20 dias após ser enviada pelo Executivo —o rito normal levaria meses.
Logo no início de seu primeiro mandato, Lira também modificou o regimento para "tratorar" minoritários que, até então, tinham nos mecanismos de obstrução das votações um dos únicos instrumentos para tentar fazer valer algumas de suas posições.
Defensor de pautas ligadas à economia e ao agronegócio (setor que já disse integrar "com o coração"), Lira destaca a aprovação da Reforma Tributária, tema que ficou em debate por décadas, como um de seus maiores legados.
Com histórico de atuação de bastidores e poucos discursos em plenário, Lira é tachado de truculento e autoritário por adversários e até aliados —esses se manifestando sob reserva.
"Ele foi a figura que mais tirou autonomia dos deputados", diz Ivan Valente (PSOL-SP).
"Ultracentralizou as decisões, tirou a previsibilidade do plenário, matérias importantes não tramitaram nas comissões. A forma como ele negocia com o governo não é republicana, está sempre com a faca no pescoço para obter benesses."
Chico Alencar (PSOL-RJ) vai na mesma linha: "Lira teve uma postura imperial, com súditos numerosos, e nos dois últimos anos teve uma postura muito mais de cobrança do Executivo do que nos anos de Bolsonaro".
Filho de político, Lira ingressou oficialmente na política aos 23 anos, em 1992, ao ser eleito vereador em Maceió. Foi deputado estadual antes de chegar a Brasília, em 2011.
Sua trajetória antes de ocupar o posto número 1 na Câmara foi marcada por escândalos, como as condenações por desvio de verbas da Assembleia de Alagoas, investigações de corrupção na Lava Jato e a acusação de ter agredido a ex-mulher.
Após virar presidente, praticamente todos os casos relativos a corrupção foram enterrados nas instâncias superiores da Justiça. Sobre a acusação de violência doméstica, o STF (Supremo Tribunal Federal) o absolveu em 2015.
Na Câmara, foi líder do PP, presidente da CCJ, cargo que ocupou graças ao então presidente da Casa, Eduardo Cunha (MDB), de quem foi aliado, e da CMO (Comissão Mista de Orçamento).
Sua maior ascensão se deu em 2020, após liderar a migração do centrão para os braços de Bolsonaro, que não tinha uma base na Casa e sofria ameaça de impeachment.
Com isso, ganhou do presidente a gestão entre os deputados das bilionárias emendas, capital que foi essencial para sua vitória à presidência da Câmara em 2021.
Em 2022, foi um dos principais articuladores das votações na Casa que buscaram dar um impulso eleitoral a Bolsonaro na sua tentativa de se reeleger.
Lira e Lula chegaram a trocar acusações na campanha principalmente por causa da alta concentração de poder nas mãos do deputados. Num ato, o petista chegou a dizer que Lira agia para ser como o imperador do Japão.
Apesar disso, foi uma das primeiras autoridades a reconhecer a vitória de Lula nas eleições em 2022. "Arthur foi peça fundamental para o país nesse momento, garantindo estabilidade para a posse do Lula", diz Dr. Luizinho (PP-RJ).
Com o resultado das eleições, o deputado rapidamente recalculou a rota e em questão de dias já entabulava um acordo para colocar parte do centrão como base do Lula 3.
Foi reeleito presidente da Casa com recorde de votação. Apesar de momentos de tensão com o governo e de ter rompido com o ministro Alexandre Padilha, responsável pela articulação política, Lira diz que sempre ajudou o Executivo e não criou dificuldades.
Em agosto de 2023, teve outro caso de corrupção enterrado. O ministro do STF Gilmar Mendes mandou anular todas as provas em relação a Lira em investigação sobre os kits de robótica comprados com verba pública em Alagoas.
Gilmar impediu eventual derrota do deputado sobre investigação da PF, que teve operação deflagrada em junho daquele ano com base em reportagens publicadas pela Folha.
Nos dois últimos anos, foi criticado em alguns momentos, sendo o mais expressivo a votação-relâmpago do requerimento de urgência do projeto Antiaborto por Estupro.
O episódio gerou forte reação na sociedade com duras queixas a Lira, a ponto de ele colocar um freio na discussão. Ele também deixa a cadeira sem cumprir promessa que fez de dar uma solução ao imbróglio do PL que dá anistia aos condenados do 8 de janeiro.
Lira diz ser um defensor das prerrogativas parlamentares. Neste ano, deu andamento a propostas em retaliação a decisões do STF e falou em "abuso de autoridade" após a PF indiciar um deputado.
Na última sessão em que presidiu a Casa, na quinta (19), ouviu discursos elogiosos de 17 deputados (do PL ao PT). Fez um discurso curto no qual citou a possibilidade de voltar "ao chão de fábrica" da Casa.
Apesar disso, aliados afirmam que ele mira uma cadeira no Senado em 2026. Ele também é cotado para ocupar um ministério de Lula, apesar de publicamente ele negar.
A trajetória de Lira, o líder do centrão
Primeiro cargo eletivo
Filho de político, é eleito vereador em Maceió, aos 23 anos, em 1992. Era filiado ao PFL, um dos partidos vindos da Arena, hoje União Brasil
Novo cargo e denúncias
Eleito deputado estadual pelo PSDB em 1998. Ficaria na Assembleia Legislativa de Alagoas por três mandatos. Lira chegou a ser condenado em duas instâncias por desvio de verbas da Assembleia (Operação Taturana), mas o STJ anulou em 2023 as condenações sob o argumento, entre outros, de que Lira não havia sido devidamente citado para apresentar defesa
Denúncia de agressão à mulher
Em 2006, sua ex-mulher, Jullyene Lins, o acusa de tê-la agredido nesse ano. O deputado foi absolvido pelo STF em 2015
Chegada à Câmara dos Deputados
Em 2010, foi eleito deputado federal, já pelo PP
Comando da CCJ
Após a vitória de Eduardo Cunha (de quem foi aliado) à Presidência da Câmara, assume em 2015 o comando da principal comissão da Casa, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça)
Centrão e Bolsonaro
Lira lidera em 2020 o movimento de aproximação do centrão com o então presidente Jair Bolsonaro e lhe proporciona base congressual para o restante do seu mandato
Chegada à Presidência da Câmara
Com o apoio de Bolsonaro e tendo o controle da distribuição das emendas parlamentares, é eleito presidente da Câmara em 2021, derrotando Baleia Rossi (MDB) por 302 a 145 votos
Transição pós-eleições
Apesar de integrar a linha de frente da campanha de reeleição de Bolsonaro em 2022, inicia conversas e firma acordo com Lula já no período da transição
Reeleição na Câmara e vitórias judiciais
É reeleito presidente da Câmara em 2023 com o apoio do PT e com a maior votação da história, 464 votos. Nesse ano, Obtem várias vitórias nas instâncias superiores do Judiciário. Além da Operação Taturana, encerrou antigas pendências judiciais relativas à Lava Jato e conseguiu a anulação de provas relacionadas a ele em operação da Polícia Federal no caso dos kits de robótica
Emendas recorde e sucessor encaminhado
Sob sua batuta, as emendas chegam ao recorde de R$ 50 bilhões em 2024. Articula a candidatura do sucessor, Hugo Motta (Republicanos-PB), hoje favorito para comandar a Câmara a partir de fevereiro
Disputas pelo comando da Câmara dos Deputados desde 2003
- 2003 - João Paulo Cunha (PT-SP) - Apoiado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que havia derrotado oito anos de gestão do PSDB, deputado é facilmente eleito, com 434 votos
- 2005 - Severino Cavalcanti (PP-PE) - aproveitando-se em um racha no PT, que lançou dois candidatos, e da insatisfação de congressistas com o governo, deputado do baixo clero consegue ir para o segundo turno e tem uma das mais surpreendentes vitórias no parlamento, com 300 votos
- 2005 - Aldo Rebelo (PC do B-SP) - Após Severino renunciar ao cargo em meio ao escândalo do "mensalinho da Câmara", aliado do governo vence com margem apertadíssima: 258 contra 243 de José Thomaz Nonô (PFL-AL), da oposição
- 2007 - Arlindo Chinaglia (PT-SP) - Com base lulista dividida, PT volta ao comando da Câmara, também em dura eleição: 261 votos contra 243 de Aldo, também governista
- 2009 - Michel Temer (MDB-SP) - fruto de acordo que havia eleito Chinaglia dois anos antes, o líder do MDB ganha com facilidade: 304 votos contra 129 de Ciro Nogueira (PP-PI) e 76 de Aldo Rebelo
- 2011 - Marco Maia (PT-RS) - Com Dilma Rousseff no início do seu mandato, petista é eleito com facilidade: 375 votos
- 2013 - Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) - Seguindo o rodízio MDB-PT, o deputado do Rio Grande do Norte é eleito em primeiro turno com 271 votos
- 2015 - Eduardo Cunha (MDB-RJ) - Líder do centrão derrota o candidato de Dilma, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e é eleito no primeiro turno com 267 votos
- 2016 - Rodrigo Maia (DEM-RJ) - Já no governo Michel Temer (MDB), deputado do DEM disputa mandato-tampão após afastamento de Cunha e derrota o centrão, se elegendo para o primeiro de seus três mandatos à frente da Câmara. Foram 258 votos contra 170 de Rogério Rosso (PSD-DF)
- 2017 - Rodrigo Maia (DEM-RJ) - Deputado derrota novamente o centrão e é reeleito: foram 293 votos contra 105 de Jovair Arantes (PTB-GO)
- 2019 - Rodrigo Maia (DEM-RJ) - Dessa vez com apoio do centrão, consegue com folga o terceiro mandato, já sob o governo Bolsonaro. Ele obtém 334 votos
- 2021 - Arthur Lira (PP-AL) - Centrão se une a Bolsonaro e volta a triunfar após Cunha, com vitória sobre candidato de Maia: 302 votos contra 145 de Baleia Rossi (MDB-SP)
- 2023 - Arthur Lira (PP-AL) - Após a derrota da Bolsonaro, a quem apoiou, firma rapidamente acerto com Lula (PT) ainda na fase de transição, e é eleito com o apoio do PT e com a maior votação da história, 464 votos