Leonardo Roesler: Reforma tributária: resultado na Câmara representa avanço na regulamentação da gestão e fiscalização do IBS

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A conclusão da votação do PLP (Projeto de Lei Complementar) 108/2024 na Câmara dos Deputados marca um novo capítulo no processo de reforma tributária brasileira. Isso representa um avanço na regulamentação da gestão e fiscalização do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

O tributo, que visa substituir o ICMS e o ISS, é concebido para unificar e simplificar o sistema tributário nacional, reduz a complexidade e promove uma maior uniformidade no recolhimento de impostos sobre bens e serviços. Trata-se de uma proposta que, embora inovadora, provoca debates, tanto em seu conteúdo normativo quanto em suas repercussões sobre a autonomia dos entes federativos e os direitos dos contribuintes.

O PLP 108/2024, como um dos principais projetos decorrentes da Emenda Constitucional 132/2023, representa um segundo estágio de regulamentação da reforma tributária, seguindo o PLP 68/2023, que inicialmente estruturou os fundamentos do IBS. Neste novo projeto, encontra-se a regulamentação formal do Comitê Gestor do IBS, entidade que será responsável pela supervisão da arrecadação e distribuição do novo tributo entre União, estados e municípios. Dentre as disposições, o projeto visa também o julgamento administrativo das demandas tributárias envolvendo o IBS, uma inovação necessária para garantir maior transparência e celeridade nas disputas fiscais.

Um dos pontos mais relevantes trazidos pelo PLP 108/2024 é a previsão da incidência do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações) e do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis). Essas normas são essenciais para assegurar que a transição entre regimes tributários não implique perda de arrecadação para os entes federativos. Destaca-se, ainda, a possibilidade do uso da contribuição para iluminação pública para custear câmeras de vigilância, uma medida que pretende fortalecer a segurança pública, ampliando as atribuições fiscais municipais para contemplar as demandas sociais.

No entanto, a votação dos destaques revelou pontos de controvérsia e levou a alterações no texto inicial, o que evidencia a complexidade do tema e a diversidade de interesses envolvidos. Dentre as modificações mais significativas, está a exclusão da incidência do ITCMD sobre os pagamentos de planos de previdência complementar, como o PGBL e o VGBL, inicialmente incluídos como uma medida de combate a planejamentos tributários mais sofisticados. A redação original visava prevenir o uso desses planos como veículos de transmissão patrimonial sem incidência tributária, mas a oposição técnica sobre a matéria destacou que tal incidência poderia onerar planos legítimos e regularizados, levando a um efeito contrário ao pretendido.

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Outra questão sensível que foi alterada pelo projeto, envolve a distribuição desproporcional de dividendos. A previsão inicial contemplava a tributação dessa modalidade para prevenir estratégias que busquem caracterizar doações entre familiares como dividendos para evitar o pagamento do ITCMD. Entretanto, especialistas apontaram que a norma poderia abarcar situações de distribuição ordinária de lucros, gerando uma insegurança jurídica para as empresas e afetando práticas corporativas legítimas. O texto final, portanto, excluiu essa possibilidade de tributação e manteve a incidência do ITCMD apenas em hipóteses específicas de liberalidade ou falta de justificativa econômica para a operação.

Ainda no âmbito do IBS, o parágrafo 2º do artigo 51 do PLP 108/2024 sofreu uma alteração que exclui da responsabilidade por infrações as plataformas digitais que atuam como intermediárias, desde que realizem a retenção e recolhimento do IBS e da CBS conforme as obrigações tributárias acessórias aplicáveis. Essa modificação confere maior segurança jurídica às plataformas de intermediação digital, reconhecendo seu papel como agentes de retenção e evitando-lhes a imputação de infrações quando em conformidade com a legislação.

Outra mudança significativa foi a inclusão da possibilidade de transferência do saldo credor do IBS para empresas do mesmo grupo econômico, medida que visa facilitar o planejamento tributário e a administração financeira em conglomerados empresariais. A versão anterior do texto não abrangia tal possibilidade, o que restringia a capacidade de gestão fiscal dos grandes grupos econômicos no país.

No entanto, algumas emendas foram rejeitadas. Dentre elas, destaca-se a proposta da deputada Erika Hilton (PSOL-SP) para a instituição de um IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas), com a justificativa de aumentar a arrecadação de indivíduos com patrimônio superior a R$ 10 milhões. Embora o tributo tenha respaldo em discussões sobre justiça fiscal e redistribuição de riqueza, os parlamentares argumentaram que o momento não é propício para a instituição de um novo imposto, especialmente em um contexto de significativa reformulação do sistema tributário. Da mesma forma, rejeitou-se a emenda que excluía a necessidade de avaliação quinquenal da eficácia dos benefícios fiscais, o que indica uma intenção do legislador de reforçar a transparência e a responsabilidade na concessão e manutenção de incentivos fiscais.

O PLP 108/2024 agora segue para o Senado Federal, onde será submetido a novas análises e deliberações. Não há, no entanto, uma previsão concreta de quando sua tramitação terá início na Casa, e sua aprovação ainda em 2024 é incerta, havendo inclusive indicações de que a matéria só seja apreciada em 2025. Paralelamente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, anunciou que o PLP 68, outro projeto complementar relevante para a reforma, será votado no dia 4 de dezembro. Este contexto demonstra que a reforma tributária ainda passará por um longo e delicado processo de adaptação e implementação, com impacto tanto para o setor público quanto para o setor privado.

Entendo que, o PLP 108/2024 é um marco regulatório fundamental para o novo sistema tributário, visando construir um ambiente de negócios mais eficiente e menos oneroso para o contribuinte, ao mesmo tempo que preserva a arrecadação dos entes federativos e tenta adaptar o sistema às novas realidades econômicas e tecnológicas. Contudo, sua aplicação exigirá atenção e cautela, pois mudanças de tal magnitude necessitam de adequação e entendimento por parte dos agentes econômicos e do próprio Estado para que os objetivos de simplificação e justiça fiscal sejam efetivamente alcançados.

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