Leia colunas de Fernanda Torres na Folha sobre atuação, cinema e televisão

há 22 horas 1

Fernanda Torres venceu no último domingo (5) o Globo de Ouro de melhor atriz em filme dramático por seu trabalho em "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles. O prêmio abre caminho para uma indicação ao Oscar, que revela os seus nomes no próximo dia 17 de janeiro.

Em sua coluna neste jornal, Torres já analisou algumas das escolhas feitas pelas duas premiações. Em 2023, ela escreveu que a safra de 2022 consagrou a "idiotice multivérsica" de "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo", antes de elogiar os filmes que foram lembrados pelos prêmios naquele ano —incluindo "Assassinos da Lua das Flores", de Martin Scorsese.

"Leonardo DiCaprio foi com tudo na boca arqueada para baixo, como bigode chinês, a fim de acentuar a imbecilidade genocida de Ernest Burkhart", disse Torres em sua coluna neste jornal. "A careta de DiCaprio me lembrou a de Brad Pitt em "Bastardos Inglórios", que, para sublinhar a estupidez do tenente Aldo Raine, apostou todas as fichas na queixada neandertal proeminente."

Colunista da Ilustrada desde 2010, Torres escreveu sobre diversas obras e artistas ao longo dos anos. Da masculinidade de James Bond ao tabu do pênis em Hollywood, ela versou sobre diferentes temas do cinema e da televisão com seu humor irreverente.

Relembre, a seguir, algumas das colunas de Fernanda Torres sobre cinema.

Casca

"Atores longevos de Hollywood, uma vez vencida a condição de galã, tendem a se tornar caricaturas de si mesmos. O esgar de Jack Nicholson se fundiu com o do Coringa; o mau humor de Robert de Niro se perpetuou na carranca de seus personagens, e Al Pacino deu de balbuciar as falas com a rabugice de um velho cão. O fenômeno se repete na nova geração de madurões, como atesta o prognatismo de Pitt, a bochecha caída de DiCaprio, a boca à esquerda de Washington e a loucura de Phoenix."


Preocupa a obrigação do profissional de virar garoto-propaganda de si

"A coisa é séria. Os streamings ainda escalam o elenco com mais de 45 anos pela qualidade interpretativa, mas os novinhos precisam passar do milhão de seguidores para sequer serem cogitados. O ator vale pelas razões de sempre, mas também pela contribuição que trará para a divulgação de uma série ou filme no oceano virtual."


No Carnaval, preferi me valer do cinema e do sexo para aliviar as tensões

"'Love' não chega a tanto, e nem alcança a grandeza perturbadora de 'O Império dos Sentidos', de Nagisa Oshima. Eu ainda era virgem quando o assisti pela primeira vez e nunca mais me recuperei."


Classe artística é a Geni do país

"Com 200 milhões de habitantes, o Brasil é um dos maiores consumidores de streaming do planeta, com um público acostumado a assistir às suas próprias histórias. Donos de uma identidade cultural própria, somos mais do que meros apreciadores de enlatados. Ninguém deseja viver num país fechado para o mundo, as plataformas de streaming são mais do que bem-vindas, mas, assim como na Europa e nos Estados Unidos, é preciso preservar a saúde da economia criativa local."


É preciso ser leão para sobreviver na savana em meio ao incêndio

"A contratação por obra certa nunca me assustou. Desde o remake de 'Selva de Pedra', em 1986, ela foi a regra que norteou minha carreira.

Heroína do folhetim, fui uma péssima funcionária, dei defeito e tornei difícil um trabalho árduo não só para mim como para os que me cercavam. Tony Ramos que o diga. A imaturidade me custou uma geladeira de 15 anos, que só terminaria com o sucesso de 'Os Normais'.

E mesmo após 'Os Normais', quando achei que fecharia um contrato fixo, a expectativa não se confirmou. O trauma de 'Selva de Pedra' me tornara arredia às novelas, coluna de sustentação da programação, e o acordo de longo prazo só faria sentido para a casa com uma ou mais telenovelas incluídas no pacote. Sem segurança de emprego, fiz cinema, teatro, eventos, comerciais e aprendi a ser produtora de mim mesma."


Breno Silveira lutou para filmar horas mágicas do dia sem nunca ter trégua

"O audiovisual é uma indústria pesada, feita com paixão e risco. Como produtor e diretor, pesava sobre o Breno [Silveira] a responsabilidade de gerir orçamento e prazos. Atrasar um projeto, muitas vezes, significa esquecê-lo, e dar o sinal verde para o início de uma produção, assumir uma logística comparável à de uma empreitada de guerra."


No clã Bolsonaro os diamantes são eternos como em 007

"Dei para rever filmes antigos do 007. É condenável, eu sei, um ícone machista, que mereceu morte lenta e dolorosa no último longa rodado, eu sei. O cônjuge propôs a maratona e eu não resisti. Fetiche de infância. Carne fraca. Mas não há como revisitar o velho Bond sem o filtro do tempo; e aquilo que na adolescência parecia desejável, hoje, por vezes, soa abjeto.

Em 'Moscou Contra 007', de 1963, estrelado por Sean Connery na sequência de 'Dr. No', todas as mulheres gemem porque precisam muito dar, e não só para James. Um turco maduro, velho contato da M16 em Istambul, abandona o jornal quase obrigado para satisfazer a amante juveníssima que mia ansiosa no recamier. Na visita ao acampamento cigano, homens feitos desfrutam do couvert artístico com dança do ventre, seguida de briga de aranha."


Por que o pênis aparece tão pouco em filmes e séries? Marlon Brando que o diga

"O tabu do pênis é o último refúgio da masculinidade, poucos tentam, ou desejam, de fato, enfrentá-lo. Mas "Game of Thrones' já liberou o nu frontal dos rapazes para a faixa de adolescentes; os robôs de 'Westworld', porque são robôs, desfilam a pelo sem preconceito; e a ducha do amante bem-dotado levou 'Sex/Life' aos trending topics. A nova versão de 'Cenas de um Casamento' quase arriscou o pelado explícito, mas preferiu escurecer no contraste."


'007' faz parte do meu imaginário, embora ele seja macho branco assediador

"O [James] Bond louro de [Daniel] Craig amou e foi traído pela estonteante Eva Green; quase virou eunuco, nas mãos de Mads Mikkelsen; foi patolado por Javier Bardem e verteu lágrimas por Judi Dench. Apesar do DNA condenável, o espião que me amava evoluiu a ponto de merecer existir no planeta MeToo. Assim eu acreditava."


Complexo de inferioridade não me deixava ver os podres dos anos 1960

"Terminei '1971' convencida de que o desencanto e a fúria também nos guiarão para fora do lodaçal. A pax romana globalista, com seu ideal duty free shop, ruiu. As trincheiras progressistas, cuja vitória parecia consumada, se armam, agora, para enfrentar as hostes conservadoras negacionistas da maioria, ou minoria, não se sabe ao certo, até então silenciosa."


Se Tarcísio Meira é Charlton Heston, Paulo José é nosso ator europeu

"O Brasil não costuma produzir atores assim, capazes de sustentar a coroa, de empunhar a espada sobre o cavalo, ou encarnar o Demo. Costuma-se usar a palavra galã para definir Tarcísio [Meira], mas qualquer rostinho bonito pode ser tachado de galã.

A palavra ofende porque reduz o talento do monstro aos seus dotes físicos. Basta vê-lo em 'A Idade da Terra', no 'Grande Sertão: Veredas', na novela 'Escalada' ou no 'Independência ou Morte' para perceber que estamos diante de um ator mítico."


Paulo Gustavo foi Cazuza, Renato, Cacilda e Leila, e por isso viva Paulo Gustavo

"A morte de Paulo Gustavo se reflete em todas as ausências aqui descritas. Para os herdeiros do besteirol, Porchat, Adnet, Gregorio, Majella, Lobianco, Ingrid, Mônica, Caruso, Katiuscia, Raphael e Tabet, Paulo é o que Felipe foi para mim.

Sua partida marca a entrada deles na maturidade, na consciência da brevidade da vida e da fragilidade humana.

Para a legião urbana de fãs que conquistou, Paulo foi Cazuza e foi Renato, o ídolo pop do pedaço, o senhor de mil Jockeys. Para o teatro, a despedida de Paulo é o vazio de Cacilda em cena. Para os meninos que gostam de meninos e meninas, para o marido, Thales, e os filhos, Romeu e Gael, Paulo foi e sempre será Leila."


Séries como 'Mrs. America' ganham ao fugir do xerox raso da atualidade

"Nisso, 'Mrs. America' e 'A Voz Mais Forte' se destacam. Sem trair a perspectiva histórica, as duas séries somadas contemplam a ascensão do conservadorismo, do moralismo cristão, do racismo, do nacionalismo e do machismo nos últimos 50 anos."

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