A Science publicou, nesta quinta-feira (12), o que é tido como o primeiro artigo publicado por pesquisadores indígenas brasileiros na revista, uma das mais relevantes na área científica. Já houve, porém, estudos em que indígenas informaram ou auxiliaram pesquisadores.
O texto discute e defende uma maior integração entre o conhecimento científico ocidental e o indígena, especialmente em temas ligados à preservação da amazônia e de sua biodiversidade.
Intitulado "Indigenizando as Ciências da Conservação para uma Amazônia Sustentável", o artigo é fruto da colaboração de cientistas indígenas do Amazonas e não-indígenas, vinculados à Universidade de Princeton (Estados Unidos) e à UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
"A ciência ocidental tem um histórico de apropriação e supressão do conhecimento indígena, mas, nas últimas décadas, testemunhamos um aumento repentino na reavaliação das relações entre comunidades científicas indígenas e ocidentais em todo o mundo. As bases teóricas e os métodos indígenas estão sendo colocados em diálogo com teorias e práticas ecológicas científicas há, pelo menos, quatro décadas, e tem ganhado tração", diz trecho do artigo.
Segundo os autores do artigo, os saberes indígenas precisam ser reconhecidos em seus próprios termos culturais e não, necessariamente, devem ser validados pelas ciências da conservação para que sejam considerados legítimos.
Os pesquisadores das etnias tuyuka, tukano, bará, baniwa e sataré-mawé afirmam, em seu artigo, que buscam a inclusão de representantes indígenas nos debates científicos internacionais sobre mudanças climáticas e a relação da humanidade com a amazônia. Por outro lado, querem "afastar a perspectiva colonialista" dos temas.
Justino Rezende, antropólogo indígena da etnia tuyuka e um dos autores da publicação, relata que a colaboração entre os pesquisadores discute a integração dos conhecimentos indígenas com a ciência ocidental, destacando a importância de compreender as visões indígenas sobre o mundo e suas relações com seres humanos e não humanos.
Para Rezende, os saberes indígenas precisam serem levados em consideração pela ciência, apesar de frequentemente serem vistos como espiritualidade ou religião. Ele afirma que a participação indígena na academia busca tornar seus conhecimentos compreensíveis para o mundo não indígena, reconhecendo a ciência ancestral desenvolvida por seus antepassados.
"O discurso acadêmico é muito teórico. Então eu tentei levar uma discussão mais profunda, recuperar os sentidos das nossas tradições mais antigas, dos rituais, a compreensão cósmica com outros seres, como que eles relacionam conosco. Nós devemos estar também conectados com esses: árvores, pedras, praias. No Amazonas temos as cachoeiras, as plantações, a biodiversidade", disse.
Ciência ancestral
Em maio deste ano, mais de 190 países aprovaram um tratado histórico sobre patentes para atuar contra a biopirataria, a exploração de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais dos povos indígenas. O acordo era negociado havia mais de 20 anos.
O tratado obrigará os demandantes de patentes a divulgar a origem de seus recursos genéticos e os conhecimentos tradicionais utilizados no trabalho. Participam do compromisso os estados-membros da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), uma agência da ONU (Organização das Nações Unidas).
Neste encontro, realizado em Genebra, indígenas brasileiros apresentaram uma tese sobre apropriação cultural e intelectual, voltado ao melhoramento genético de matérias-primas brasileiras, hoje exploradas em grande escala por multinacionais, como o cupuaçu, o pequi, a castanha-do-pará, o tucumã e a stevia.
Em março, pesquisadores indígenas promoveram o seu primeiro encontro científico internacional em Brasília para debater justiça climática. O evento contou com a participação de representantes do governo federal, professores, universitários, cientistas e personalidades, entre elas o cacique Raoni Metuktire, a ativista Txai Suruí e o imortal na ABL (Academia Brasileira de Letras) Ailton Krenak.
Rumo à 30ª conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a COP30, o movimento indígena espera reunir a maior participação de representantes dos povos originários do Brasil, assim como de outros países, nas discussões principais. O evento será em outubro do ano que vem em Belém, no Pará —pela primeira vez, líderes mundiais vão discutir sobre clima e floresta na região amazônica.