Um acervo de cerca de 21 mil volumes de livros que pertenceram ao poeta Haroldo de Campos, um dos pais da poesia concreta, foi removido da Casa das Rosas, localizada na avenida Paulista, em São Paulo.
O material foi enviado para um depósito especializado em conservação de obras de arte, que fica em Barueri, a cerca de 30 km da avenida Paulista.
Segundo Daisy Rezende, viúva de Ivan de Campos, filho único de Haroldo, a família do poeta não foi informada previamente da mudança. A Casa das Rosas entrou em contato com ela após o início do processo de retirada. Na coleção, estão livros assinados e com dedicatórias a Haroldo, volumes com anotações e grifos do poeta, além de títulos sobre o concretismo, vindos de todo o planeta.
Em nota, a Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas de São Paulo afirma: "Para garantir condições adequadas para a preservação da coleção de Haroldo de Campos, o acervo foi transferido para uma reserva técnica, que conta com o ambiente apropriado para preservar os itens. Assim como era feito quando o acervo estava na Casa das Rosas, a visitação e consulta aos materiais pode ser feita mediante agendamento".
A viúva do filho de Haroldo diz que não é interesse da família que "a biblioteca fique trancada em Barueri". A forma como o poeta lidava com os livros tem a ver com a forma como a família quer que o acervo seja consultado pela população. "É muito ruim um livro virar um totem", ela afirma, no sentido de ser de difícil acesso.
"Os livros do Haroldo eram todos anotados, rabiscados, eram realmente lidos", diz. Ela reforça a importância do acesso facilitado da população ao acervo. Caso haja estragos, essa é uma consequência esperada, diz. "Pode ser que manche, caia café. É a vida."
Nos bastidores, o que se diz é que a Casa das Rosas, mesmo após a recente reforma pela qual passou, não seria o local ideal para se armazenar um acervo como o de Haroldo de Campos. Apesar do desejo da família, não seria a melhor decisão museológica deixar o material lá, dizem pessoas envolvidas com a instituição.
O caso veio à tona após o ex-diretor da Casa Frederico Barbosa ter feito uma publicação nas redes sociais. Nos comentários, o ele atribuiu culpa a profissionais que atuam ou já atuaram na instituição. O coordenador de atividades culturais da rede de museus-casa de São Paulo, Reynaldo Damazio, afirma que está processando Barbosa por calúnia e difamação.
Daisy conta que, durante o processo de doação do acervo ao estado de São Paulo, logo após a morte do poeta, a família colocou três exigências para o governo de São Paulo, após recusar avançar em conversas com instituições como a universidade de Yale.
O local deveria conter Haroldo Campos no nome oficial, a biblioteca deveria ficar aberta com consulta para o público e uma comissão composta por indicados pelo governo e pela família deveria se reunir periodicamente.
De acordo com a secretaria, o nome oficial do local segue o mesmo de antes: Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura. Segundo a secretaria, a transferência do acervo, que conta com 21 mil itens, foi finalizada no dia 27 de janeiro e será organizada no novo espaço.
Segundo a viúva de Ivan, a família "doou a biblioteca com o compromisso que ficasse aberta com consulta para o público".
Para ter acesso ao acervo em Alphaville é preciso pedir autorização para a Poiesis, organização social que gere a Casa das Rosas. A secretaria diz, em nota, que "todos os materiais estarão disponíveis para consulta no final de março, o agendamento pode ser solicitado através do e-mail [email protected]".
Fechado durante dois anos para para uma reforma que custou R$ 4,2 milhões, o museu foi reaberto em outubro de 2023. A secretaria não responde se a reforma falhou na tentativa de adequar as instalações para receber o acervo.
A locação do novo espaço para a coleção custa R$ 25 mil mensais. O mesmo imóvel, a Clé Reserva, abriga as reservas técnicas da Casa das Rosas e da Casa Guilherme de Almeida, além do arquivo e a documentação das coleções das casas.
O site do museu diz que o local passa por revisão conceitual, "com vistas a se tornar também referência na preservação, pesquisa e difusão de seu território e da cidade de São Paulo, tendo como elemento principal a própria edificação".