O gasto do poder público brasileiro com os tribunais de Justiça, incluindo remuneração de magistrados e servidores, é o segundo maior entre 50 países analisados pelo Tesouro Nacional e quatro vezes a média internacional.
O comparativo foi divulgado nesta sexta-feira (28) pelo órgão do Ministério da Fazenda e considera dados de 2022, os mais recentes disponíveis para os países analisados. O Brasil gastou 1,33% do PIB (Produto Interno Bruto), contra uma média de 0,3%. Apenas El Salvador tem uma despesa com tribunais maior, com 1,59% do PIB.
Para o Brasil, os números mais atualizados são de 2023. Naquele ano, a despesa subiu para 1,43% do PIB. Os gastos também incluem o Ministério Público e compreendem despesas de União, estados e municípios.
"Esse resultado evidencia o peso substancial do sistema judicial no orçamento público brasileiro, destacando o país como um dos líderes em alocação de recursos nessa subfunção", diz o relatório.
Em valores absolutos, a fatura chegou a R$ 156,6 bilhões (em valores de dezembro de 2023), dos quais R$ 125,6 bilhões foram direcionados ao pagamento de remunerações a magistrados e servidores —o equivalente a 80,2%.
O valor total de 2023 é 11,6% maior que o observado em 2022 (R$ 140,4 bilhões), já descontados os efeitos da inflação no período. Foi a maior expansão registrada na série, iniciada em 2010.
Questionado sobre o volume e a trajetória dos gastos, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) não havia respondido até a publicação deste texto.
Para se ter uma ideia, o gasto com tribunais encosta no valor destinado ao Bolsa Família, programa de transferência de renda a famílias em situação de pobreza. Em 2023, a política destinou R$ 166,3 bilhões a 21,1 milhões de famílias beneficiárias.
Em 2021, o Brasil já era um dos líderes em gastos com o Judiciário. Os valores absolutos para aquele ano, porém, foram revisados devido a uma mudança de metodologia, para adequar os cálculos a padrões internacionais.
Os novos números, porém, não alteram o diagnóstico de aumento veloz e contínuo das despesas com tribunais de Justiça,.
O relatório do Tesouro mostra que os gastos com esse grupo representa mais da metade dos R$ 311 bilhões direcionados à rubrica ordem e segurança pública. O valor supera inclusive os desembolsos com serviços de polícia no Brasil (R$ 117,5 bilhões).
As despesas dos demais países com tribunais de Justiça não estão classificadas por tipo e, por isso, o Tesouro não consegue fazer uma comparação mais detalhada para saber se a proporção de gastos com pessoal no Brasil destoa do cenário internacional.
Mas o custo do sistema de Justiça no Brasil tem sido alvo de constantes críticas, em particular por causa do pagamento de adicionais que driblam o teto remuneratório do funcionalismo, os chamados penduricalhos.
O teto para os servidores federais está hoje em R$ 46.366,19, e os limites aplicados em estados e municípios ficam abaixo disso. Mesmo assim, é corriqueiro no Judiciário e no Ministério Público decisões que criam parcelas adicionais, em geral fora do teto.
A lista inclui auxílios e benefícios por excesso de serviço (medido em número de processos) e por acúmulo de função administrativa, e todo ano ganha novos itens. No fim do ano passado, por exemplo, membros da AGU (Advocacia-Geral da União) foram agraciados com um penduricalho de até R$ 3.500 mensais, classificado como "auxílio saúde complementar". O valor fica fora do teto e é isento de tributos.
Além disso, os juízes contam com 60 dias de férias por ano, o dobro do que é garantido aos demais trabalhadores (30 dias).
No pacote de medidas de contenção de gastos, apresentado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), o governo tentou propor uma regulamentação mais dura para a aplicação do teto remuneratório, para afastar os penduricalhos que muitas vezes inflam a remuneração extrateto.
Uma PEC (proposta de emenda à Constituição) previa que as parcelas fora do teto seriam tratadas em lei complementar, instrumento jurídico hierarquicamente superior às leis ordinárias que hoje são o veículo usado para tratar do tema.
Como mostrou a Folha, a estratégia do governo era blindar o teto remuneratório de flexibilizações, já que uma lei ordinária, além de exigir quórum menor nas votações, pode ser contornada por resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que também têm status de lei ordinária.
Durante a discussão do pacote, houve forte pressão do Judiciário, que conseguiu derrotar a mudança no Congresso Nacional. Com isso, o arcabouço legal mantém as válvulas de escape hoje usadas para turbinar salários com penduricalhos, especialmente nos tribunais.
A regulamentação por lei complementar também teria a vantagem de amarrar não só a União, mas também estados e municípios, onde as flexibilizações muitas vezes têm alcance ainda maior.
Segundo o documento do Tesouro, o maior gasto vem justamente dos tribunais estaduais, com R$ 107,3 bilhões em 2023. Na sequência estão os tribunais federais, com R$ 45,3 bilhões, o que inclui a Justiça do Trabalho, Justiça Federal e cortes superiores, como STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal).