No ano que marca o bicentenário das relações diplomáticas, a França continua demonstrando forte apetite pelo Brasil. Em 2024, os franceses se consolidaram como o segundo maior investidor por meio de fusões e aquisições no mercado brasileiro, realizando negócios em áreas que vão de infraestrutura a apostas esportivas.
A tendência é que o movimento continue neste ano, como ilustra o movimento recente da francesa Ipsos, avaliada em cerca de 2 bilhões de euros na Bolsa de Paris, que no final de fevereiro anunciou a aquisição do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) com o objetivo de consolidar sua atuação nas pesquisas eleitorais no Brasil.
Estudo da consultoria e auditoria PwC Brasil indica um aumento significativo no número de negócios fechados no ano passado, quando foram concluídas 21 fusões e aquisições por empresas francesas no mercado brasileiro, um salto de 50% em relação ao ano anterior.
O dado mostra um contraste importante com a recuperação tímida de 5% da média mundial dos negócios com o Brasil, após um 2023 em que houve uma queda generalizada de investimentos estrangeiros.
"A França voltou a olhar o Brasil como destino de investimentos, diferentemente da maioria dos outros países, que mostraram apenas uma pequena melhora no volume de negócios em 2024", analisa Leonardo Dell'Oso, sócio da consultoria e auditoria PwC Brasil.
Quando se olha o estoque, ou seja, a soma de tudo o que está investido no Brasil, os investimentos da França realizados através de aumento de participação no capital somaram US$ 58,8 bilhões em 2023, alta de 55,7% ante 2022, segundo os últimos dados do Banco Central.
Dell'Oso aponta que, a despeito do caráter diversificado do interesse francês, chama a atenção em particular o movimento no setor de infraestrutura.
No final de setembro, três grandes grupos da França anunciaram investimentos bilionários no Brasil no espaço de apenas sete dias, período apelidado pelo mercado de "semana dos franceses".
Primeiro, a empresa de navegação CMA CGM anunciou a compra da operadora Santos Brasil, em um negócio avaliado na ocasião em R$ 13,2 bilhões se considerar-se o preço de R$ 15,30 por ação anunciado.
Com o negócio, onde adquiriu uma fatia de 48% do Opportunity na empresa e se comprometeu a comprar as ações restantes pelo mesmo valor, a gigante francesa se tornou a operadora de um dos principais terminais do porto de Santos.
Alguns dias depois, outra grande companhia francesa, a Vinci, conhecida por seus investimentos em concessões de aeroportos no Norte e Nordeste, venceu o leilão da concessão rodoviária da Rota dos Cristais, trecho entre Goiás e Minas Gerais, e se comprometeu com investimentos de R$ 6,5 bilhões.
Por fim, a Engie foi a principal vencedora do leilão de linhas de transmissão da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para a construção de R$ 3 bilhões em linhas passando pelo Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo.
"A França sempre esteve entre os primeiros investidores diretos no Brasil, e esse é um interesse crescente", diz o presidente da Câmara de Comércio França-Brasil, Pedro Antonio Gouvêa Vieira. "Essa compra de um dos principais terminais do porto de Santos pela CMA CGM é emblemática."
Também presidente do conselho de administração do LIDE França, o executivo avalia que o interesse tem a ver com o movimento global de realocação de investimentos dos últimos anos, com destaque para países da Europa.
"O Brasil e outros emergentes têm se mostrado como um destino interessante para empresas europeias em razão das guerras no Oriente Médio, conflito entre Rússia e Ucrânia e Donald Trump na presidência dos Estados Unidos", afirma ele.
ENERGIA FÓSSIL E RENOVÁVEIS
A TotalEnergies é um exemplo do apetite francês. A gigante de energia já alocou mais de US$ 10 bilhões no Brasil para construir sua base de ativos no país, como no pré-sal da bacia de Santos, e pretende investir mais US$ 1 bilhão em 2025, segundo o balanço da companhia.
Olivier Bahabanian, diretor geral do grupo no Brasil, diz que o forte crescimento da produção de petróleo no Brasil fará com que o país seja o principal contribuinte para o fluxo de caixa da companhia no mundo neste ano.
"Hoje possuímos participações em 8 FPSOs [navios-plataforma usados na indústria de petróleo e gás] e continuamos investindo cerca de US$ 1 bilhão por ano", afirma o executivo.
O grupo também realizou uma joint venture com a Casa dos Ventos, que opera projetos de energia renovável, para desenvolver um portfólio de 12 gigawatts até 2030.
"O Brasil tem um potencial eólico que está entre os melhores e seus campos de pré-sal têm a menor intensidade de emissão do mundo. É um país ideal para implementar nossa estratégia de transição energética", diz Bahabanian.
Mas não só de interesse em infraestrutura e energia vive o interesse da França no Brasil. Os franceses ainda acompanham com atenção o mercado gigantesco das apostas no Brasil.
No ano passado, dois pesos pesados do setor na França adquiriram sites especializados em conteúdos de esportes para realização de apostas esportivas.
A North Star Network comprou o umdoisesportes.com.br, site com cobertura e análise esportiva voltado a apostas do Paraná, enquanto a MoveUp Media anunciou a aquisição da Theplayoffs, site brasileiro especializado na cobertura de esportes americanos.
REALOCAÇÃO E REAL FRACO
A aposta de empresas francesas no Brasil está relacionada com o reposicionamento global de investimentos nos últimos anos, e mais recentemente com a desvalorização do real.
O movimento começou com os lockdowns na China durante a pandemia, e ganhou tração com a invasão da Ucrânia pela Rússia e a guerra comercial entre Estados Unidos e China.
Dell'Oso, da Pwc, aponta que esse crescimento está relacionado com mudanças na cadeia global de suprimentos e o redirecionamento de investimentos da Ásia, em especial da China, para emergentes em outros locais do globo.
"E há um interesse em países considerados mais seguros do ponto de vista geopolítico, sem risco de interrupção de produção", diz.
Outro ponto importante foi a valorização do dólar em 2024, de 27,3%, que tornou os ativos brasileiros mais baratos: as empresas que buscavam expansão viram um câmbio favorável para concretizar negócios.
Tudo isso facilitou que o Brasil se tornasse o segundo principal destino de investimentos estrangeiros diretos no primeiro semestre de 2024, só atrás dos Estados Unidos, segundo levantamento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O segundo mandato de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos e sua política fortemente protecionista e de conflito com os chineses pode continuar estimulando a continuidade desse fluxo.
Do ponto de vista das relações bilaterais, o aumento do investimento francês fortalece os laços econômicos e políticos entre os dois países.
No ano passado, o presidente da França, Emmanuel Macron, fez a primeira viagem oficial de um chefe de estado francês ao Brasil em 10 anos. Em 2025, voltará ao país para participar da COP30 em Belém.