Formação da pauta no STF é marcada por individualidade e falta de critérios claros

há 3 dias 1

É impossível atualmente prever quando e quais processos o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) vai julgar, já que há um procedimento informal de seleção de casos marcado pela individualidade dos ministros e pela falta de critérios objetivos.

É o que aponta pesquisa conduzida por Luiz Fernando Esteves, professor do Insper e pesquisador associado no grupo Constituição, Política e Instituições, vinculado à Universidade São Paulo. Ele analisou o andamento de 1.529 processos, número de casos incluídos no calendário de julgamentos do plenário físico do tribunal entre 2013 e 2019, para a sua tese de doutorado em direito pela USP.

O objetivo foi entender como funciona a construção da pauta do plenário do Supremo, desde a chegada do caso ao tribunal até a sessão de julgamento, quem foram os atores envolvidos nessa dinâmica e que temas e classes processuais são selecionados.

"São 11 ministros, cada um deles com critérios diferentes para lidar com o que chega ao gabinete", afirma Esteves. "Pode ser que um se preocupe mais com gastos públicos. Então, todas as questões tributárias têm prioridade. Outro, com casos penais, que receberão dessa forma um tratamento mais célere."

Há ainda influência da imprensa, das partes e dos advogados. A repercussão em veículos de comunicação pode pressionar os ministros a liberarem o caso para julgamento ou incluí-lo em pauta. O mesmo vale para a atuação de partes e advogados junto aos gabinetes dos magistrados.

A pessoalidade é um ponto importante, diz ele. "Existem pessoas, parlamentares, por exemplo, com acesso mais facilitado aos ministros. Cada gabinete tem uma regra própria, mas esse acesso não é dado de forma igual por todos os ministros a todos os advogados e a todas as partes. Há um problema muito grande de desigualdade."

Segundo o pesquisador, além da informalidade e da falta de critérios objetivos, existe uma questão de individualidade. "Há uma alocação de poderes no tribunal, que coloca muito peso na mão de alguns deles", em especial do relator e do presidente.

A liberação do processo para julgamento depende do relator. No caso do plenário físico, o presidente da corte fica com aquele caso à disposição, para incluí-lo no calendário de uma sessão e eventualmente chamá-lo para apreciação. Esse procedimento mudou um pouco com a expansão do plenário virtual.

O sistema permite julgar processos por meio eletrônico. Os ministros registram votos e manifestações de forma assíncrona durante um período determinado de tempo —normalmente uma semana. Antes, o plenário virtual era usado só para a análise da existência ou não de repercussão geral. Hoje, ele tem as mesmas competências do físico.

"Com a expansão do plenário virtual, o individualismo não acabou. Só que uma parte do peso dado ao presidente foi realocada para o relator, porque, hoje, ele consegue sozinho definir o momento de início do julgamento. Se ele libera o processo para o plenário virtual, a pauta não passa pela mão do presidente."

FolhaJus

A newsletter sobre o mundo jurídico exclusiva para assinantes da Folha

Tailma Venceslau, mestre em ciência política pela USP e pesquisadora no grupo Judiciário e Democracia, sediado na mesma universidade, é autora de trabalho sobre a dinâmica dos dois plenários, com foco no virtual. Ela diz que atualmente os relatores detêm o maior poder sobre a pauta, já que a liberação no sistema define de modo automático uma data para julgamento.

"O presidente, a seu turno, perdeu muito de sua capacidade de impulsionar ou atrasar um julgamento no plenário virtual."

A especialista ressalva, no entanto, que outros ministros, inclusive a presidência, podem disputar essa posição pedindo vista ou destaque do julgamento, transferindo o debate para o plenário presencial.

O advogado e professor Wagner Gundim, doutor em direito constitucional pela USP, afirma que o procedimento de construção de pauta no Supremo é "tão complexo, com tantas nuances, que às vezes fica difícil delimitar".

De acordo com ele, embora o regimento interno do STF preveja critérios para "orientar" o presidente do STF a compor o calendário de julgamento de cada sessão, como ordem cronológica dos processos em cada uma de suas classes, "a escolha decorrerá de ampla discricionariedade".

Leia o artigo completo