O cabo de guerra entre o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), e a Câmara dos Deputados continua movimentando os dias normalmente tranquilos do recesso parlamentar e judiciário, no fim deste ano.
O magistrado respondeu a um pedido apresentado pela Casa legislativa para que ele revisse a decisão de suspender o pagamento de R$ 4,2 bilhões das chamadas emendas de comissão e estipulou um prazo até as 20 horas desta sexta-feira (27) para que a Câmara responda “objetivamente” a quatro perguntas sobre o tema.
De forma geral, o ministro quer saber quando essas emendas foram aprovadas pelas comissões da Câmara, se houve indicações adicionais incluídas na lista após as reuniões das comissões temáticas e quem fez e aprovou essas indicações.
Dino também pergunta aos deputados de que forma a resolução de 2006 do Congresso Nacional que disciplina a Comissão Mista de Orçamento (CMO) prevê a tramitação das emendas.
O ministro do Supremo também questiona onde estão determinadas as regras usadas pelo Congresso para a aprovação dessas emendas – se não estiverem na resolução de 2006.
Veja a íntegra das perguntas de Flávio Dino à Câmara dos Deputados:
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- Quando houve a aprovação das especificações ou indicações das “emendas de comissão” (RP 8) constantes do Ofício nº. 1.4335.458/2024? Todas as 5.449 especificações ou indicações das “emendas de comissão” constantes do Ofício foram aprovadas pelas Comissões? Existem especificações ou indicações de “emendas de comissão” que não foram aprovadas pelas Comissões? Se não foram aprovadas pelas Comissões, quem as aprovou?
- O que consta na tabela de especificações ou indicações de “emendas de comissão” (RP 8) como “NOVA INDICAÇÃO” foi formulada por quem? Foi aprovada por qual instância? Os Senhores Líderes? O Presidente da Comissão? A Comissão?
- Qual preceito da Resolução nº. 001/2006, do Congresso Nacional, embasa o referido Ofício nº. 1.4335.458/2024? Como o Ofício nº. 1.4335.458/2024 se compatibiliza com os arts. 43 e 44 da referida Resolução?
- Há outro ato normativo que legitima o citado Ofício nº. 1.4335.458/2024? Se existir, qual, em qual artigo e quando publicado?
O imbróglio das emendas
Na última terça-feira (24), a Polícia Federal (PF) instaurou um inquérito que deve apurar a liberação de R$ 4,2 bilhões das chamadas emendas parlamentares de comissão cujos autores não foram devidamente identificados.
A corporação atende a uma determinação de Flávio Dino, no âmbito da decisão da última segunda-feira (23) que suspendeu o pagamento das emendas, em uma nova escalada da tensão entre os Poderes Judiciário e Legislativo que marcou este ano.
Do montante, cerca de R$ 180 milhões se referem a “novas indicações” e R$ 73 milhões são destinados ao estado de Alagoas, berço político-eleitoral do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) – que está se despedindo do comando da Casa, cargo que ocupará somente até o fim de janeiro de 2025.
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As emendas parlamentares, que estão previstas dentro do Orçamento, são utilizadas de acordo com indicação de deputados e senadores – o dinheiro, em geral, é encaminhado pelos parlamentares para atender suas bases eleitorais. A execução dessas verbas é prerrogativa do governo federal.
A decisão do ministro do STF atendeu a um pedido apresentado pelo PSOL, que alegou irregularidades na destinação de R$ 4,2 bilhões nas chamadas emendas de comissão.
Essa categoria de emendas parlamentares é indicada por comissões temáticas da Câmara dos Deputados e do Senado – e não tem pagamento obrigatório. Após a derrubada das emendas de relator pelo Supremo, as emendas de comissão foram ampliadas.
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Na petição apresentada ao STF, o PSOL questionou o ofício que autorizou o repasse das verbas. O documento foi encaminhado por Arthur Lira, no último dia 12, com a assinatura de 17 líderes partidários na Casa.
Na ação ao Supremo, o PSOL afirma que parte das emendas foi destinada para o estado de Lira, Alagoas, o que seria ilegal. Por meio do Ministério da Casa Civil, o governo federal não viu qualquer irregularidade e autorizou o repasse.
Em sua decisão, Flávio Dino exigiu que a Câmara divulgasse, em um prazo de até cinco dias, as atas das reuniões de comissões nas quais as emendas foram aprovadas. Essas atas deveriam ser encaminhadas à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, comandada pelo ministro Alexandre Padilha (PT).
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Ainda de acordo com o despacho de Dino, o pagamento das emendas só será liberado depois de as atas chegarem ao Palácio do Planalto – e desde que atendam aos critérios de transparência e rastreabilidade definidos anteriormente pela Corte.
“Tamanha degradação institucional constitui um inaceitável quadro de inconstitucionalidades em série, demandando a perseverante atuação do Supremo Tribunal Federal”, anotou Flávio Dino em sua decisão.
Câmara pede liberação do pagamento
Em recurso encaminhado a Dino na manhã desta sexta-feira (27), a Câmara pediu a revisão da decisão que mandou suspender o pagamento das emendas. A petição, de 22 páginas, é assinada pelo advogado Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva.
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No documento, o defensor rebate a ação proposta pelo PSOL, pelo Partido Novo e pelas entidades Associação Contas Abertas, Transparência Brasil e Transparência Internacional, que alegaram que a indicação de mais de 5,4 mil emendas teria ocorrido sem a aprovação das comissões e no período em que as reuniões dos colegiados haviam sido suspensas por Arthur Lira, entre os dias 12 e 20 de dezembro.
“Com a devida vênia, a argumentação dos peticionantes não corresponde à verdade e revela profundo desconhecimento do processo legislativo orçamentário. Essas informações imprecisas e descontextualizadas impedem a correta apreciação e valoração dos fatos”, diz o advogado da Câmara.
A defesa da Câmara afirma que as emendas foram aprovadas pelas comissões ao longo do ciclo legislativo. “A aprovação das emendas pelas comissões se dá a partir de sugestões feitas por parlamentares e aprovadas formalmente pelos colegiados. Após a aprovação e sanção, ocorrem as indicações ao Poder Executivo que, de acordo com a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] para o exercício de 2024, não têm caráter vinculante”, diz a defesa da Casa legislativa.
Executivo perdeu poder sobre orçamento
Nos últimos, os sucessivos governos foram perdendo poder, gradativamente, sobre a execução do orçamento federal. Em 2015, ainda durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o Congresso Nacional aprovou o orçamento impositivo, por meio do qual as emendas destinadas a deputados e senadores devem ser pagas, obrigatoriamente, pelo governo federal.
No governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foram instituídas as chamadas “emendas Pix”, ampliando a fatia de recursos sob o guarda-chuva do Legislativo. Hoje, o Congresso detém cerca de R$ 60 bilhões do orçamento, o que representa quase o mesmo volume comandado pelo Executivo federal.