Todas as manhãs, duas dúzias de mineiros e engenheiros se amontoam em um elevador em forma de gaiola para uma descida de 11 minutos até as entranhas de Black Hills, no estado americano da Dakota do Sul.
No fundo, mais de 1 km abaixo da superfície, a porta da gaiola se abre e os trabalhadores descem por um corredor rochoso e sinuoso. Em sua extremidade, encontra-se o resultado de três anos de trabalho: duas cavernas vazias, cada uma tão alta quanto um prédio de sete andares e tão longa que leva um segundo inteiro para que sua voz alcance a parede distante e ecoe de volta.
Por mais de um século, essas profundezas foram exploradas por mineiros em busca de ouro. Agora, abrigam o Sanford Underground Research Facility (Surf). Nos próximos anos, alguns dos principais físicos de partículas do mundo planejam transformar esse ambiente no extremo receptor de um "telefone de lata" de 1.300 quilômetros e US$ 5 bilhões. Com isso, eles esperam ouvir uma resposta sussurrada a uma pergunta existencial: como chegamos aqui?
A mensagem será transportada por neutrinos, partículas que quase não têm peso e se movem quase tão rápido quanto a luz. Na outra extremidade do telefone, um acelerador de partículas com cerca de 800 metros de largura operado pelo Laboratório Nacional de Aceleradores Fermi (Fermilab), nos arredores de Chicago, criará trilhões de neutrinos a cada segundo em um feixe estreito apontado diretamente para essa caverna. Eles navegarão sob a terra —não por um túnel, mas por três estados de rocha sólida.
Quando os neutrinos chegarem, os físicos esperam que finalmente expliquem como o Big Bang criou uma quantidade ligeiramente maior de matéria do que sua oposta, a antimatéria —um excesso que constitui tudo no Universo hoje.
O telefone, oficialmente chamado de Dune (experimento de neutrinos profundos subterrâneos), é o maior projeto de ciência e engenharia sob o solo dos EUA na história. Levou uma década para chegar a esse ponto e pode precisar de outra década antes de começar seu trabalho. Se tudo correr bem, ele transformará o neutrino em uma quantidade conhecida, preenchendo uma lacuna importante na compreensão dos cientistas sobre o Universo e, talvez, devolverá os Estados Unidos à sua antiga posição no centro da física de partículas.
O que é antimatéria?
Quando um átomo é dividido, seus dois fragmentos voam em ângulos oblíquos. Em 1930, Wolfgang Pauli sonhou com o neutrino para explicar o comportamento. Deve haver uma terceira bala invisível que sai zunindo em uma terceira direção, tão rápida quanto a luz, mas etérea como um espectro, concluiu o físico.
Levou décadas para alguém provar que ele estava certo. Os neutrinos são as partículas mais numerosas no Universo, porém as mais difíceis de estudar: escapam dos detectores de partículas tão facilmente quanto passam pela rocha. Eles são tão escorregadios que são as únicas partículas cuja massa permanece um mistério total.
Além disso, enquanto todas as outras partículas têm uma identidade imutável, os neutrinos mudam. Uma vez em operação, o acelerador no Fermilab produzirá 1 dos 3 "sabores" de neutrino. Mas, quando alcançarem a Dakota do Sul, alguns terão se transformado em um "sabor" diferente.
"É tão marcante quanto se você se transformasse em sua avó enquanto caminhava para a cozinha e depois voltasse a ser você mesmo enquanto caminhava de volta para o seu quarto", disse o físico Bryan Ramson, da sala de controle do Dune em Batavia, Illinois. "Isso é essencialmente o que os neutrinos fazem."
No entanto, esse "efeito quântico de longo prazo e longa distância", acrescentou, é como o Dune usará os neutrinos para explicar tudo.
O desequilíbrio cósmico
Os físicos de partículas esperam que os neutrinos possam ajudar a resolver um dilema de longa data.
De acordo com as melhores teorias disponíveis, a matéria —tudo o que podemos ver e sentir no Universo— não deveria existir. Cada partícula de matéria surge com um "doppelgänger", uma partícula de antimatéria (ou antipartícula) com propriedades iguais, mas opostas, como carga e spin. Sempre que uma partícula e sua antipartícula se encontram, elas se aniquilam. Partículas e antipartículas podem ser criadas em igual medida, mas no fim se encontram e se destroem, sem deixar nada para trás.
O Big Bang de alguma forma quebrou essa regra. Ele criou uma quantidade ligeiramente maior de matéria do que de antimatéria, e essa pequena porção de matéria compõe tudo o que podemos ver hoje. As propriedades mutáveis dos neutrinos, muitos físicos afirmam, podem explicar nossa gênese cósmica.
O que Ramson e seus colegas do Dune estão tentando aprender é se os neutrinos mudam de forma mais rapidamente do que os antineutrinos. Os neutrinos podem escapar de seus sósias se transformando em outro "sabor", como fugitivos vestindo uma fantasia diferente? Poderia ser assim que o Universo primitivo acabou com um pouco mais de matéria do que antimatéria?
Se o Dune detectar uma diferença entre neutrinos e antineutrinos, isso poderia sugerir que a hipótese tem mérito. E, como o neutrino é a única partícula que os físicos ainda não estudaram exaustivamente, ele representa a última esperança para resolver o enigma existencial.
"É a única janela aberta para novas fronteiras", disse Jelena Maricic, física da Universidade do Havaí e membro do Dune.
Grandes ambições
A grande ambição do projeto trouxe grandes desafios, nem todos previstos.
A infraestrutura do poço da mina teve que ser reformulada antes que o laboratório pudesse retirar as rochas e realizar o experimento, atrasando a escavação e custando pelo menos US$ 300 milhões. E o acelerador de partículas do Fermilab teve que ser atualizado —um gasto de bilhões de dólares— para fornecer neutrinos suficientes ao detector.
Em 2021, o Departamento de Energia deu ao laboratório uma nota de desempenho insatisfatória e, em 2023, reabriu o contrato de gestão do laboratório para novos licitantes. Em maio de 2023, um trabalhador caiu de uma altura de sete metros e ficou gravemente ferido. O trabalho foi interrompido pelo restante do ano, permitindo ao laboratório "analisar todos os nossos procedimentos e garantir a segurança de nosso pessoal", disse Lia Merminga, diretora do Fermilab.
A fase inicial do projeto —uma primeira medição usando os dois detectores na primeira caverna— foi originalmente estimada para ser concluída em 2035, com cerca de US$ 1,5 bilhão. Agora está programada para ser concluída até 2040, com US$ 3,3 bilhões. Isso não inclui a atualização de bilhões de dólares do acelerador ou os dois detectores adicionais que os cientistas esperam adicionar, apenas o primeiro dos quais custará mais US$ 300 milhões. No total, o custo para os contribuintes americanos para todo o empreendimento poderia chegar a US$ 5 bilhões.
As críticas na imprensa científica muitas vezes foram contundentes.
Não há remédio como o sucesso
"Essas críticas foram algo que eu tive que realmente pensar enquanto decidia o que queria fazer pelo resto da minha vida", disse Ramson —cerca de 1.400 cientistas participam do Dune, entre os quais brasileiros. "Desisti de carreiras extremamente lucrativas em outros lugares para seguir meus interesses."
Ron Ray, diretor adjunto do projeto Dune, rebateu as críticas. "Sim, há algum barulho por aí, mas as pessoas que estão escrevendo essas coisas realmente não sabem do que estão falando."
Ele argumentou que os custos e atrasos inesperados do Dune eram normais para um empreendimento científico dessa magnitude. Ele citou o telescópio James Webb, lançado em dezembro de 2022 após anos de atrasos e estouros de custos e que agora regularmente faz descobertas cósmicas. "Não há remédio como o sucesso", disse Ray.
Impulso
O Dune recebeu um grande impulso moral em dezembro. Um painel de 32 proeminentes físicos de partículas, encarregados de classificar as prioridades do campo para a próxima década, deu destaque ao projeto em primeiro lugar.
"Sentimos a responsabilidade", disse Karsten Heeger, físico da Universidade de Yale e vice-presidente do painel, conhecido como P5, para o Painel de Priorização de Projetos de Física de Partículas. "Foi uma tarefa assustadora e desafiadora."
No final, Heeger disse que os riscos científicos eram muito altos para não apoiar o projeto. "Essa é uma verdadeira oportunidade para os EUA liderarem o mundo e se tornarem o centro da física de neutrinos nas próximas décadas."
Em 1º de fevereiro, após mais de uma década de planejamento e construção, as cavernas subterrâneas foram concluídas com uma última explosão de dinamite. O buraco está lá; agora tudo o que os físicos —e o Universo— precisam fazer é preenchê-lo.