"As Polacas" estreia nos cinemas com bons atrativos para o público. Conta uma história impactante e tem no elenco rostos conhecidos das novelas, Valentina Herszage e Caco Ciocler. O roteiro trata de fatos do começo do século passado, quando mulheres judias polonesas vieram ao Brasil e foram obrigadas a entrar na prostituição.
O diretor João Jardim tem experiência no filme de época. Ele fez "Getúlio", com Tony Ramos, e mais uma vez mostra facilidade ao recriar bem um Rio de Janeiro de cem anos atrás. A bonita fotografia contrasta com o tom cinzento da narrativa das agruras de Rebeca, que vem da Polônia com o filho pequeno, em 1917, para se encontrar com o marido, sem saber que ele está morto.
Sem ter a quem recorrer, se torna presa fácil para o cafetão Tzvi, que afasta a criança da mãe. Usando o garoto como instrumento de dominação, ele vai aos poucos forçando Rebeca a trabalhar em seu bordel. Na resistência da mulher, o que se vê é um duelo intenso de interpretações entre Valentina e Ciocler. Assistir ao filme é ver o quanto ela ainda relutará e até onde a maldade do vilão pode chegar na tentativa de dobrá-la.
O filme vai além. Retrata um movimento real, a Sociedade da Verdade, grupo formado por prostitutas judias no Rio de Janeiro, para se defenderem da opressão. "Eu já tinha ouvido a história das polacas", diz Herszage. "Meus bisavós por parte de pai vieram da Polônia depois da Primeira Guerra. Primeiro para a Argentina, meu avô nasceu lá, e depois ao Rio. Pouca gente conhece a história da Sociedade. O cinema tem a função de trazer essas coisas à luz."
A atriz fez um teste para ser a protagonista no início de 2022 e logo foi aprovada pelo diretor. "A ideia da Iafa Britz, produtora do filme, era que o elenco tivesse alguma ascendência, para verossimilhança mesmo", afirma Jardim. "Quando entram os personagens brasileiros, como os interpretados por Otávio Muller e Erom Cordeiro, tem um contraste."
Impressiona ver que uma história centrada num pequeno grupo de mulheres no Rio do início do século passado possa simbolizar o que acontece com milhões de mulheres pelo mundo. Nos créditos finais, o filme divulga que hoje o tráfico de pessoas atinge 30 milhões de vítimas —80% delas, mulheres.
"A intenção sempre foi essa. Trazer o que aconteceu para agora, mais de cem anos depois. É um filme atual, o tema é o uso do corpo da mulher, e em todos esses anos vem acontecendo o mesmo", afirma Jardim.
"Tzvi representa o 'modus operandi' desses homens. Eles não enxergam o que estão fazendo como maldade, acham que estão ajudando essas mulheres proporcionando uma nova vida com dinheiro. Não têm consciência que estão sendo maldosos, têm uma convicção de estarem fazendo o bem."
O personagem de Ciocler usa o filho de Rebeca para dominá-la. "Ele acredita muito que está ajudando suas prostitutas. Tzvi é um monstro, mas Caco deixa claro que ele não acredita ser um monstro", diz Valentina. Para o diretor, o embate entre Rebeca e Tzvi exibe até nos menores detalhes o conflito de gênero. "Eu tenho essa tendência de explorar ao máximo o embate. Eu trabalhei com Nelson Rodrigues, e com ele tudo é conflito."
"Temos feito sessões com a comunidade judaica, muito bonitas, mas o filme transcende esse grupo, fala de união feminina, de sororidade", diz a atriz. "Quero que chegue a todo mundo, porque esse trabalho da Sociedade da Verdade é muito bonito. Elas lutam para que as prostitutas tenham um lugar para serem enterradas, seguindo os seus rituais. É o mínimo de dignidade."
Hesrzage está encerrando um ano de muita projeção no cinema. Ela protagonizou "O Mensageiro", de Lúcia Murat, que faz uma reflexão sobre os prisioneiros da ditadura militar, e está no elenco de "Ainda Estou Aqui", o filme de Walter Salles que lidera as bilheterias e foi indicado a melhor filme estrangeiro no próximo Globo de Ouro.
"O cinema às vezes tem essa bolha difícil de furar. ‘Ainda Estou Aqui’ está fazendo isso, atraindo gente que não costuma ir ao cinema. Quando eu vou ao banco, ou me hospedo em hotel, todo mundo me fala que assistiu", diz Valentina, que participa de um terceiro filme sobre o período do regime militar, com estreia em 2025, "A Batalha da Rua Maria Antônia", de Vera Egito. "Ele se passa em 1968. Foi um período muito longo, ainda com muitas histórias para contar."