Leila Navarro, 71, palestrante motivacional e influenciadora, veio pela pela primeira vez à China para a , realizada no início de julho, e voltou com um cão-robô. Pagou 15,5 mil yuans (R$ 11,7 mil) e já está passeando com ele em São Paulo.
Foi a um parque e, conta, o cachorro chamou a atenção dos policiais. "Eu fiquei encantada e comprei para uso doméstico, porque ele dança, fala algumas coisas, pode interagir com as pessoas, trazer um copo d'água", descreve. "Mas a ideia é ele trabalhar em segurança. Fui andar com ele, no primeiro dia em que saiu comigo, e os policiais vieram falar que seria legal ele ajudar a fazer ronda."
Mas o que mais chamou a atenção na exposição paralela à conferência em Xangai, inclusive dela, foram os 18 robôs humanoides alinhados na entrada. "Estava cheio deles, e o que percebi é que chinês é muito prático. Estão menos preocupados em humanizar e mais em ganhar escala e ser uma coisa funcional. Robôs que passam roupa, que fazem massagem, que cozinham."
Apelidados de 18 Arhats, em referência aos primeiros seguidores de Buda, eles refletem uma indústria que em 2023 cresceu 86% em relação ao ano anterior, na China, e que guarda relação com o crescimento do setor de carros elétricos no país. No momento, é nas montadoras que a aplicação dos robôs com aparência humana mais promete.
Não à toa, uma das atrações na exposição foi o Optimus Gen 2, nova versão do robô humanoide da Tesla, mantido numa redoma de vidro distante dos 18 da linha de frente chinesa. A projeção do CEO Elon Musk é que milhares deles ocupem o chão da fábrica no ano que vem, possivelmente na "gigafábrica" em Xangai, a maior da montadora no mundo.
A empresa chinesa de robótica UBTech já tem humanoides trabalhando numa fábrica da montadora de carros elétricos NIO, também chinesa, e anunciou paralelamente à conferência ter fechado contrato com a joint venture da Volkswagen no país para desenvolver uma fábrica sem humanos, só com humanoides, em Qingdao. Entre as tarefas, estão escanear os carros, inspecionar cinto de segurança, montar componentes e manusear peças.
"É muito importante também considerar o papel que a cadeia de suprimentos da indústria de veículos elétricos teve nos robôs de inteligência artificial", diz TP Huang, analista financeiro especializado no setor automotivo. "Coisas como chips de IA, navegação, Lidars [tecnologia de detecção e alcance de luz, para identificar objetos], câmeras e tudo mais que realmente importa ao construir um robô de IA, seja canino, humanoide ou de entrega de comida."
Ele sublinha a experiência acumulada com a operação de robotáxis pela Baidu, uma das principais no desenvolvimento de inteligência artificial no país, em cidades como Wuhan, onde acaba de entrar em circulação uma nova frota, agora com mil deles. "Outras, como DiDi, também o farão", acrescenta, ressaltando a empresa de transporte urbano conhecida no Brasil como 99.
A indústria de robôs ainda está nos primeiros estágios, avalia Huang, sobretudo em relação aos humanoides. "A grande pergunta é onde serão usados." Há modelos com formato mais adequado do que eles para entrega ou para cozinhar, por exemplo.
Uma área provável, segundo o analista, é o atendimento domiciliar e outras tarefas voltadas a serviços, "em que as pessoas querem interagir com robôs que são de tamanho, locomoção e movimentos semelhantes aos nossos". No caso de robôs caninos, eles poderiam atuar como guias para cegos na China, onde há falta de cães para a tarefa.
A consultora brasileira em tecnologia Mila Ghattas, estabelecida em Xangai e que organizou a presença de 36 enviados de empresas do Brasil à conferência, concorda que o quadro "ainda está mais naquele primeiro impacto, e a utilidade desses robôs ainda é algo para ser estudado".
Ela própria se interessou mais por um conceito de robô antropomórfico, com o busto de uma jovem chinesa, que encontrou na exposição. "Eles começaram a aparecer, o que se chama na robótica de 'uncanny valley', vale da estranheza. Ela estava pequenininha lá. Você vê, e a sua reação humana é de estranheza, de que tem alguma coisa errada."
O impacto de mídia dos robôs de Xangai foi grande, a ponto de se sobrepor à conferência, que havia reunido CEOs conhecidos da indústria de tecnologia de China e EUA, além de autoridades para discutir governança global de IA. A própria conferência acabou lançando "Normas para a Governança de Robôs Humanoides", logo comparadas às Três Leis da Robótica do escritor Isaac Asimov (1920-92).
"A China está no protagonismo disso, das leis tanto de robótica como de IA", diz Ghattas. "Acho fascinante como o país trabalha a questão de lei versus desenvolvimento. Fala, 'desenvolve, vamos ver o que você consegue'. E só depois começa a regular. Porque, se regular antes do desenvolvimento, limita a criação. Olhe a capacidade a que já chegaram esses robôs."
As Leis de Xangai, como apelidadas, foram elaboradas por cinco diferentes instituições da cidade, reunindo de advogados a empresas de IA. Têm abordagem mais ampla, como a recomendação de alertas de risco, mas algumas de suas normas ecoam Asimov, como "não ameaçar a segurança humana" (no escritor, "não ferir um ser humano").
Leila Navarro, satisfeita com seu cão robô, quer retornar à China no ano que vem e comprar um humanoide. "A empresa do cachorro [Unitree Robotics, de Hangzhou] está lançando um, mas não estava pronto para venda", diz ela. "É o melhor dos que eu vi, até que o do Elon Musk. Ele dobra e fica numa mala. E esse homem lava a louça, limpa a casa, conversa com você. Já pensou, um companheiro de vida?"
Em Xangai, o lançamento de maior repercussão foi o Qinlong ou dragão verde, da Humanoid Robots, da própria cidade. Com 1,85 m e 80 kg, ele combina, segundo a apresentação, "membros inferiores móveis para caminhada ágil", 1 metro por segundo carregando 40 quilos, "com membros superiores leves e de alta precisão para operações". Entre outros atrativos, faz café.