Quando Stephane Castel se encontrou pela primeira vez com um grupo de maori e outros povos das ilhas do Pacífico na Nova Zelândia para discutir os planos de pesquisa genética de sua empresa farmacêutica, os locais temiam que ele estivesse buscando lucrar com os genes dos membros da comunidade sem se importar com eles.
Em vez disso, Castel e seus colegas explicaram que estavam tentando fazer um acordo não convencional: em troca de confiar a eles seu patrimônio genético, as comunidades participantes receberiam uma parte das receitas da empresa.
Castel também prometeu não patentear nenhum gene —como muitas outras empresas haviam feito—, mas sim os medicamentos que sua empresa desenvolvesse a partir da parceria.
"Muitas pessoas nos disseram que essa era uma ideia louca e que não funcionaria", disse Castel. Mas cinco anos após aquela primeira conversa durante uma conferência de pesquisa em saúde indígena em março de 2019, a aposta de Castel está começando a dar frutos para ambas as partes.
Na terça-feira (7), sua empresa, Variant Bio, com sede em Seattle, anunciou uma colaboração de US$ 50 milhões com a fabricante de medicamentos Novo Nordisk para desenvolver medicamentos para distúrbios metabólicos, incluindo diabetes e obesidade, usando dados coletados de populações indígenas.
A Variant Bio distribuirá uma parte desses fundos para as comunidades com as quais trabalhou em nove países ou territórios, incluindo os Maori, e buscará tornar qualquer medicamento resultante de seu trabalho disponível para essas comunidades a um preço acessível.
O conceito para a Variant Bio foi concebido em um bar em Manhattan em agosto de 2018, durante uma conversa entre Castel e Kaja Wasik, que se tornaram amigos durante seus estudos de pós-graduação em genética no Cold Spring Harbor Laboratory em Long Island.
Embora sua pesquisa de laboratório os mantivesse sob a luz fluorescente, eles compartilhavam um entusiasmo por viagens internacionais, que satisfaziam durante mochilões juntos no Peru e no Chile. Eles sonhavam em construir uma empresa que pudesse levá-los a lugares remotos.
Na época, fabricantes de medicamentos estavam estabelecendo parcerias com repositórios biológicos como o UK Biobank, que contém amostras biológicas e registros de saúde de 500 mil pessoas que vivem na Grã-Bretanha, a fim de buscar associações entre genes e doenças.
Mas esses bancos de dados são compostos principalmente por genes de pessoas de ascendência europeia.
"Qual é o valor de sequenciar a 500.001ª pessoa britânica?", disse Castel. "Há um número limitado de descobertas a serem encontradas estudando o mesmo grupo de pessoas."
Ele e Wasik estavam mais entusiasmados com descobertas recentes de grupos sub-representados, como a descoberta de variantes genéticas novas que afetam o metabolismo e que foram identificadas pela primeira vez em populações inuit na Groenlândia.
Tais variantes podem ser mais comuns, e consequentemente mais fáceis de identificar, em populações historicamente isoladas porque conferem algum benefício funcional às pessoas com uma certa dieta ou estilo de vida, ou simplesmente devido a eventos aleatórios em sua história.
No entanto, elas também podem servir como alvos promissores para medicamentos que ajudarão uma parcela mais ampla da população global.
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Com US$ 16 milhões em financiamento inicial da Lux Capital, uma firma de capital de risco em Nova York, Castel e Wasik deixaram seus empregos e começaram a trabalhar em tempo integral para a startup deles.
Wasik viajou por oito países na África, Ásia, Europa e Pacífico no primeiro ano da empresa, enquanto Castel, na maior parte do tempo, construiu diligentemente sua plataforma de software a partir de sua base nos Estados Unidos.
Eles recrutaram conselheiros éticos para desenvolver um modelo de compartilhamento de benefícios e embarcaram em trabalhos de campo. Eles sabiam desde o início que teriam que agir com cautela.
Em 2007, um membro da tribo Karitiana no Brasil disse ao The New York Times que sua comunidade havia sido "enganada, mentida e explorada" por cientistas que coletaram seu sangue e DNA, que mais tarde foi vendido por US$ 85 por amostra. Os membros da tribo, que disseram ter sido seduzidos com promessas de medicamentos, não receberam nada.
Dez anos depois, ainda não havia consenso sobre a melhor maneira de conduzir tal trabalho. Para proteger contra a chamada biopirataria, muitos países ratificaram o Protocolo de Nagoya sob a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, que exige o "compartilhamento equitativo de benefícios" emergentes de recursos genéticos. Mas o protocolo excluía informações genômicas humanas.
Durante a viagem de Castel e Wasik à Nova Zelândia em 2019, os pesquisadores e membros da comunidade ficaram perturbados com uma tentativa anterior de pesquisadores dos EUA de patentear um teste de risco de obesidade com base em estudos genéticos realizados em Samoa.
As universidades dos pesquisadores não incluíram seus colaboradores samoanos na aplicação da patente como coinventores, nem tinham acordos formais de compartilhamento de benefícios com instituições locais. Esse pedido de patente foi abandonado, e os pesquisadores disseram que sempre buscaram compartilhar benefícios com seus parceiros.
Um dos primeiros conselheiros da Variant foi Keolu Fox, um geneticista da Universidade da Califórnia, San Diego, que havia sido duramente crítico da pesquisa samoana.
"Isso é uma extensão de todas essas outras formas de colonialismo", disse Fox, que é nativo havaiano e se juntou a Wasik e Castel em sua viagem de divulgação na Nova Zelândia. Ele acreditava que a Variant poderia liderar pelo exemplo.
No programa de compartilhamento de benefícios da empresa, até 10% do orçamento de um projeto é destinado a programas comunitários, geralmente financiando organizações locais.
Por exemplo, como parte de seu estudo na Nova Zelândia sobre as causas genéticas de doenças renais e outros distúrbios metabólicos nos maori e outras pessoas de ascendência do Pacífico, a empresa gastou US$ 100 mil para financiar várias organizações de saúde locais, além de bolsas de estudo e conferências científicas para povos indígenas.
O novo acordo com a Novo Nordisk inicia uma segunda fase, de longo prazo, do programa de compartilhamento de benefícios.
As comunidades compartilharão uma fatia de 4% da receita da Variant e, se a empresa for vendida ou abrir capital, 4% de seu patrimônio. Essa porcentagem é comparável aos royalties que as universidades recebem por licenças de suas patentes.