O medo é uma ferramenta poderosa para a sobrevivência. Mas, às vezes, pode levar a equívocos.
Aquele cachorro agitado que mora na rua? Na verdade, não é agressivo. A apresentação que seus colegas estão esperando? Provavelmente nada para temer.
Em um estudo publicado na última quinta-feira (6), cientistas disseram ter identificado como o cérebro supera um medo instintivo. O achado dá pistas que podem beneficiar quem tem transtornos relacionados ao medo, incluindo fobias, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático.
"Descobrimos o mecanismo pelo qual o cérebro, por meio da experiência, pode entender quais potenciais perigos instintivos na verdade não representam perigo", disse a neurocientista Sara Mederos, do Sainsbury Wellcome Center, da University College London, que liderou o estudo.
Os pesquisadores expuseram camundongos a cenários com ações que, a princípio, poderiam sugerir perigo e observaram como eles aprenderam a deixar de lado seus medos. A ideia era entender como o cérebro deles aprende a manter a calma e seguir em frente diante de uma ameaça infundada.
Na avaliação dos cientistas, a descoberta pode indicar a outros pesquisadores como direcionar tratamentos em humanos para distúrbios relacionados ao medo.
O estudo
No experimento, os cientistas investigaram como cerca de cem camundongos responderam a uma ameaça visual que se mostrou inofensiva ao longo do tempo. A ameaça era uma sombra que imitava o mergulho de um predador: um pássaro.
Inicialmente, os camundongos corriam para um abrigo quando a sombra ameaçadora aparecia, pois a resposta de medo instintiva clássica entrava em ação. Contudo, após 30 a 50 mergulhos simulados, os roedores perceberam que a ameaça era inofensiva e aprenderam a suprimir seu instinto. Eles continuaram a explorar o local normalmente, apesar da sombra.
Por meio de dispositivos implantados nos cérebros dos camundongos, os pesquisadores rastrearam os mecanismos neurais que se ativaram conforme os animais aprendiam a suprimir o medo.
O estudo identificou onde o cérebro armazena memórias para ignorar medos instintivos: uma área previamente pouco explorada conhecida como núcleo geniculado ventrolateral (vLGN).
Embora fosse previamente conhecido que essa área estava envolvida no processo de desaprender, não estava claro até agora que era onde as memórias acabavam armazenadas, segundo Mederos. "Não sabíamos que havia uma chance de plasticidade e aprendizado acontecendo nessas áreas."
A área do cérebro em questão fica entre o neocórtex, que detecta uma ameaça, e o tronco cerebral, que ativa a resposta instintiva do corpo. Cientistas que estudam aprendizado e memória em camundongos concentram a maior parte de seu foco em outras áreas do cérebro, especificamente no córtex visual, de acordo com Mederos.
O estudo identificou que, enquanto o córtex visual é crucial para aprender a suprimir medos instintivos, o vLGN é crucial para armazenar a memória.
Como humanos poderiam se beneficiar disso?
Ao entender as estruturas no cérebro que são ativadas por meio do processo de desaprendizagem, a neurocientista disse que a pesquisa pode ser benéfica para aqueles que têm lutado para superar transtornos relacionados ao medo.
Médicos podem, por exemplo, mirar em seus estudos os mesmos circuitos nos cérebros humanos por meio de intervenções terapêuticas como medicamentos, estimulação profunda do cérebro ou ultrassons funcionais.
"Visar áreas do cérebro como o núcleo geniculado ventrolateral poderia abrir novos caminhos para tratar esses distúrbios", afirmou ela. O estudo também apontou como moléculas específicas, mediadas por neurotransmissores, são liberadas nessa área do cérebro e permitem que os medos sejam desaprendidos.
"Medicamentos específicos direcionados ao núcleo geniculado ventrolateral poderiam ser abordagens farmacológicas que ajudariam no tratamento da ansiedade", disse a pesquisadora.