Estudante cria Vade Mecum com IA e é aprovada na prova da OAB

há 2 dias 3
Aluna criou Vade Mecum sobre direito penal com ajuda da inteligência artificial
Aluna criou Vade Mecum sobre direito penal com ajuda da inteligência artificial Imagem: Cedido ao UOL

Depois de ser reprovada na segunda fase do Exame de Ordem por 0,1 ponto, Tônia Ramos decidiu apelar à inteligência artificial.

O décimo que quase a custou a carteira de advogada (ela foi aprovada na prova de repescagem) tinha a ver com um termo em latim que ela não conseguiu encontrar no seu Vade Mecum, livro que contém as principais leis do país e pode ser consultado durante a prova.

Foi aí que ela decidiu usar o ChatGPT, programa de geração de texto com inteligência artificial, para escrever um Vade Mecum melhor que os tradicionais.

"A diferença está no índice remissivo", conta Tônia, ao UOL.

Os Vade Mecum tradicionais têm índices remissivos básicos, com algumas referências sobre onde determinado assunto pode ser encontrado em outras leis, e são elaborados por professores de direito.

Por exemplo: o artigo 315 do Código de Processo Penal fala que a decretação de prisão preventiva deve ser fundamentada. E aí o índice diz que há referência à regra também nos artigos 5o e 93 da Constituição Federal.

No livro que Tônia fez com ajuda do ChatGPT, o índice remissivo contém todas as expressões presentes no Código de Processo Penal, por exemplo.

Então, em vez de o aluno consultar por "artigo 315", ele pode consultar diretamente por "prisão preventiva".

O livro de Tônia é sobre Direito Penal. Contém o Código Penal, o Código de Processo e as chamadas "leis extravagantes" —leis que não estão em códigos, como a Lei Maria da Penha e a Lei de Crimes Hediondos, no caso penal.

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Os índices remissivos de Vade Mecum penais costumam ter 40 ou 50 páginas. O do livro de Tônia tem 140.

Um mês de trabalho

Entre ter a ideia e o livro sair foram 35 dias, conta Tônia, em entrevista ao UOL.

O processo envolveu alimentar o ChatGPT com todas as edições do Exame de Ordem dos últimos dez anos e perguntar ao programa quais eram os termos mais pedidos nas provas.

De posse das informações, ela então pediu ao ChatGPT que organizasse os termos a partir das leis que ela escolheu, para produzir o índice.

E aí o trabalho foi organizar as leis nas páginas dos livros e pedir à inteligência artificial que organizasse os termos levantados de acordo com as páginas em que estava cada item.

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O livro foi publicado pela Casa do Direito, selo de obras jurídicas da editora Letramento, no modelo sob demanda, em que todos os custos são arcados pelo autor e só são impressos os que são vendidos.

Saiu com o nome Codex Penal Maximus, ficou com umas 800 páginas e foi vendido por R$ 200, mais caro que os Vade Mecum de penal tradicionais, que custam em torno de R$ 120.

Ainda assim, foram vendidos cem exemplares em uma semana, sem divulgação e sem link no site da editora.

"Não deu para imprimir mais porque ficou muito em cima da data da prova [15 de janeiro deste ano], mas tivemos uma super demanda", comenta Gustavo Abreu, dono da Letramento, que já prevê mudanças no mercado com as inovações de Tônia.

Ele já acertou com ela uma segunda edição do Codex Penal Maximus, além de edições para as outras cinco áreas específicas que o candidato pode escolher para a segunda fase do Exame de Ordem (constitucional, civil, empresarial, trabalhista e tributário, além de penal).

E já há conversas de outras editoras interessadas em incorporar inteligência artificial em seus processos de elaboração e edição de Vade Mecum.

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Problemas com fiscais

O Codex, como ficou conhecido, não parece um Vade Mecum. Tem capa preta e encadernação padrão de livro, em vez de capa dura, capa branca e folhas finas.

Por isso chamou atenção de alguns fiscais de prova, que pediram para folhear os exemplares, para saber se estava de acordo com o edital.

Houve até denúncia anônima à FGV (Fundação Getúlio Vargas), que faz a prova, de que o livro conteria mais do que os textos das leis.

Diversos candidatos, especialmente na Bahia, relataram ter sido interpelados por fiscais de prova, mas liberados.

Alguns disseram que os fiscais grampearam páginas do livro por entender que elas continham definições de conceitos e doutrina, o que é proibido pelo edital.

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Mas nenhum livro foi barrado.

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