Ensaísta traça história de Bob Dylan a partir de sete canções em 'Folk Music'

há 4 meses 22

"‘Meio tosca’, disse meu amigo quando ouvimos Bob Dylan cantando ‘Blowin’ in the Wind’ pela primeira vez, no fim do verão de 1963. (...) Parecia fácil demais: o cantor estava bajulando o ouvinte, presumindo uma afinidade de opinião entre eles: É claro que você está do lado certo. É claro que você acredita que os negros merecem os mesmos direitos que os brancos. É claro que você quer todo mundo vivendo em paz."

O senador Eduardo Suplicy discordaria, mas é com esse relato que o jornalista musical Greil Marcus inicia o primeiro dos sete capítulos de "Folk Music: Uma Biografia de Bob Dylan em Sete Canções", livro lançado lá fora há dois anos e que agora chega ao Brasil pela editora Zain.

Conhecido por escrever ensaios relacionando o rock a temas mais abrangentes, como política, sociedade e cultura, Marcus, 79, é um dos mais respeitados críticos dos Estados Unidos. "Folk Music" é seu 17º livro e o quarto no qual Dylan figura no título. Mesmo assim, Marcus evita dizer se estamos falando do maior artista popular do mundo.

"Não posso dizer que ‘Highway 61 Revisited’ [álbum de 1965 de Dylan] é melhor que ‘O Poderoso Chefão’ [filme de Francis Ford Coppola de 1972] ou vice-versa. Existem certas obras de arte que ficam comigo sempre, que fazem parte do meu quadro de referência, às quais volto sempre", disse ele, em entrevista para a Folha por vídeo, realizada na última quarta-feira (7).

"Posso estar ouvindo qualquer coisa e, naquele momento, a música me atinge de uma forma que nem consigo acreditar que esteja acontecendo, que alguém foi capaz de criar esse efeito tão transformador, que te faz sentir maior e mais vivo. Se alguém pode fazer isso, não há sentido em dizer que fulano é o melhor, o maior."

Conforme diz o título, são sete as canções nas quais ele se debruça, mas não são necessariamente as melhores, as preferidas ou as mais importantes. Ele já havia escrito um livro inteiro sobre "Like a Rolling Stone". "Sempre foi minha música favorita do Bob Dylan —e provavelmente minha música favorita de qualquer pessoa— desde que a ouvi pela primeira vez, em 1965. Então, não iria escrever sobre ela. Não queria focar em nada que já tivesse escrito detalhadamente antes. Esse foi o desafio", explicou.

As escolhidas foram, além de "Blowin’ in the Wind", "The Lonesome Death of Hattie Carroll", "Ain’t Talkin’", "The Times They Are A-Changin’", "Desolation Row", "Jim Jones".

Fecha a obra um texto sobre "Murder Most Foul", a canção de 17 minutos lançada durante a pandemia, na qual entramos na mente do presidente Robert Kennedy durante os cinco segundos entre o primeiro tiro, que atravessou seu pescoço, e o segundo, que estourou sua cabeça, em 1963.

Mas diferentemente do que diz o título, "Folk Music" não é uma biografia no sentido comum. Na verdade, Marcus abre o livro com um resumo da vida de Dylan que preenche apenas duas páginas.

"Estou brincando com a ideia do que é uma biografia", disse. "Dylan disse uma vez algo como ‘eu me casei várias vezes e todo mundo sabe disso. Mas eu escrevo músicas, eu as gravo e eu as toco no palco. Isso é o que faço. E o resto não é da conta de ninguém’. Então eu pensei, ‘bem, essa é uma abordagem interessante para uma biografia’. Você não precisa saber tudo sobre os casamentos dele. Você não precisa saber se ele era uma estrela no ensino médio ou se era solitário. Você não precisa saber de tudo isso."

Marcus contou que esteve com Dylan duas vezes, a primeira quando nem sabia o seu nome, após um show de Joan Baez em que ele participou cantando "With God on Our Side".

"Fiquei simplesmente atordoado. Ele estava reescrevendo os livros didáticos que todos crescemos aprendendo nas escolas públicas sobre a história dos Estados Unidos, mas estava virando tudo de cabeça para baixo. Na saída, vi esse cara agachado na sujeira tentando acender um cigarro. O cara que estava cantando no palco. E perguntei a alguém, quem era aquele? Então fui até ele e disse, sabe, você foi incrível. Você foi ótimo. E ele disse, não, não, aquilo foi uma porcaria. ‘Aquilo foi só uma porcaria’. Então me afastei."

"A outra vez foi em 1997. Ele estava recebendo um prêmio e fomos apresentados nos bastidores. Ele fez questão de deixar claro que havia lido meus livros. Apresentei minha mulher, que é de Minnesota, como ele, e eu simplesmente não pude resistir a dizer que duas tias dela haviam ido ao bar mitzvah dele, quando tinha 13 anos. Os pais de Bob Dylan convidaram praticamente todos os judeus do norte de Minnesota. Agora, deixe-me dizer, ninguém gosta de ser lembrado do seu bar mitzvah. Então, foi o fim da conversa."

Para terminar, o crítico respondeu à pergunta sobre a ilha deserta. Os discos que ele levaria seriam "Highway 61 Revisited" e "John Wesley Harding", de Dylan, "Astral Weeks", de Van Morrison, e algum do grupo Fairport Convention.

"Não tenho certeza de qual seria. Mas seria algum lançado por volta de 1967. Sabe quantos anos eu tinha em 1967?", perguntou. "Eu tinha 22. Não era mais um adolescente. Estava casado. E talvez essas coisas tenham me atingido mais profundamente naquela época e nunca tenham saído. Ou talvez fossem realmente muito boas."

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