Se eu tiver feito tudo direitinho, dentro dos prazos estipulados e do número de caracteres que me cabe neste breve espaço, hoje Seu Michele estará recebendo isto aqui, em versão muito palpável: minha última coluna do ano.
Será bem cedo pela manhã, junto com as portas de loja que se enrolarão para cima e as cadeiras de bar que voltarão do topo das mesas para baixo, enquanto o aroma de café ganhará a rua, no mesmo passo dos madrugadores a caminho do trabalho.
Cercado por notícias de balas perdidas, mas também por drops de hortelã e revistas sobre decoração de chinelos, imagino sua gentil figura soterrada por todos os exemplares que o faço acumular semanalmente. Uma pilha que, em outros tempos, talvez fosse medida pela equivalência a andares de um prédio, não estivessem os jornais cada vez mais finos.
Aliás, antes de começar minha carreira em televisão, é fato que busquei emprego em jornal. Quer dizer: numa banca de jornal, tão logo fui alfabetizada. Fiz exigências, verdade, apenas meu salário em palavras cruzadas nível picolé. O jornaleiro da época achou de bom-tom não explorar minha mão de obra infantil, mas me deixou cumprir horas extras depois da escola, lendo de graça tudo que chegava da Mônica e da Luluzinha.
Na minha casa, proverbialmente falando, jornal nunca embrulhou peixe, mas servia para limpar os vidros da janela com álcool e confundir alguns parentes. Tanto que, quando chegou a hora do vamos
ver, perguntaram se eu havia passado na universidade para ser jornaleira. "Jornalista, vó".
Para minha mãe, ambas as ocupações eram gloriosas, pois nada lhe dava mais prazer do que comprar e maratonar todas as letrinhas, do expediente aos classificados. "Inclusive, você bem que podia ser cronista, né? Eu ia achar bonito ver essas coisas aí, que você pensa, no papel..." Combinado, mãe. Estou fazendo o melhor que posso.
Por hoje, a passadinha é no Seu Michele. Com quem troco não apenas comprovantes de Pix, mas aprazíveis fiapos de conversa sobre rainhas do rádio, sua filha cantora e a família imigrante da Calábria —além de bilhetes, numa lindíssima caligrafia, comunicando que meu saldo está em dia.
Portanto, da jornalista ao jornaleiro, em edição extraordinária, mas com iguais carinho e gratidão, desejo feliz Ano-Novo a todos nós. E assim: sempre na mesma página.