Encanto do Brasil e da Globo pela juventude é herança colonial, diz Maitê Proença

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Maitê Proença garante que o impulso é mais forte. Próxima dos 67 anos, que completa em 28 de janeiro, a atriz não se furta de se posicionar diante de questões delicadas, mesmo correndo o risco de ser cancelada.

Exemplo: antes de engrossar o coro de críticas à gestão de Regina Duarte como secretária da Cultura de Jair Bolsonaro, ela pediu à classe artística para acolhê-la, o que lhe valeu uma imagem de bolsonarista que nunca cultivou. "Havia ali uma mulher que nós conhecemos e não era uma total estranha", disse.

Outro: após assumir o namoro com a cantora Adriana Calcanhotto, disse preferir que ela fosse um homem —"Para essa atividade sempre gostei mais de homem"—, o que lhe custou acusação de lesbofobia.

"Já pensei muitas vezes em medir as palavras, mas a coisa sai porque parece precisar ser dita, tem vida própria. Eu devia florear, explicar tipo 'vovó viu a uva', mas fui criada entre gente dura e anglo-saxões, não aprendi os floreios", diz ela à Folha.

Como escudo protetor, Maitê busca na arte o caminho para expor opiniões sinceras. Foi assim com "O Pior de Mim", solo autobiográfico montado em 2022, e agora com "Duas Irmãs & Um Casamento", ácida comédia do inglês Peter Quilter que chega ao Teatro Faap, em São Paulo.

O público acompanha o reencontro de duas irmãs, Catarina, papel de Maitê, e Rosa, vivida por Debora Olivieri, ambas na faixa dos 60 anos, que se reúnem em uma casa de campo para organizar um casamento. Enquanto Catarina, sofisticada e bem-sucedida, enfrenta os desafios de seguidos divórcios, Rosa, solteira e independente, traz uma perspectiva não convencional à própria vida.

Conhecido por criar espetáculos dominados por protagonistas femininas —foi assim com "Gloriosa", encenado no Brasil por Marília Pêra, e "Além do Arco-Íris", biografia de Judy Garland estrelada por Claudia Netto—, o dramaturgo britânico repete aqui a mesma linha dramática, com personagens mais velhas e com uma escrita sem travas, ignorando as convenções.

"Quilter foi muito feliz em optar por uma relação entre irmãs. Elas dizem coisas divertidas, mas abomináveis. As cutucadas ultrapassam os limites que seriam aceitos em uma relação de amizade. Mas, entre irmãs, o público tolera e até se diverte, pois descansa dos excessos do politicamente incorreto. Ali, é possível rir de barbaridades", diz Maitê.

As irmãs se alfinetam o tempo todo, trocam ofensas atribuindo os esquecimentos à velhice, brincam com questões do corpo e dos relacionamentos equivocados, além de adotar, mesmo sob autocríticas, dependências químicas que tornam suas vidas suportáveis.

"A leveza e o humor são a melhor forma para se abordar esses assuntos no teatro. Especialmente nos dias atuais, com o público sobrecarregado de frustrações, em um mundo instável e mutante difícil de se compreender", afirma a atriz, satisfeita por encontrar um papel adequado para sua faixa etária.

Segundo ela, o viço da juventude ainda fascina, principalmente no Brasil, onde redes sociais e meios de comunicação sedimentam uma herança perpetuada há séculos.

"O viço da juventude encanta, e no Brasil ainda mais, como no Rio de Janeiro, onde vivo, e onde a Globo, maior rede de entretenimento e divulgação de nossa cultura, se fez", diz ela. "É uma herança do período colonial, onde a gente ria para agradar ao rei, tudo que era aparência, tudo o que estava na superfície era mais valorizado. Uma pesquisa do que está em cartaz no teatro da França revela um apreço maior pelo conteúdo e pela experiência dos intérpretes."

A questão também é governamental e, embora não critique diretamente a gestão da ministra Margareth Menezes, Maitê encontra graves lacunas na pasta da Cultura.

"Há muitas décadas, temos um país lamentavelmente fraco em educação. Esse equívoco produz pessoas despreparadas para pensar com a própria cabeça, sem referências e sem o instrumental para confiar nas próprias ideias", diz ela.

"A [gestão da] Cultura poderia amenizar essa deficiência com critérios voltados à formação de seres humanos menos vulneráveis aos modismos de fora, valores fincados no que há de mais legítimo e próprio da nossa sociedade. A globalização está incentivando o que temos de pior", acredita.

A carreira de escritora também foi um caminho encontrado por Maitê para "liberar seus demônios". Foi assim com o romance "Uma Vida Inventada" e principalmente com "O Pior de Mim", o monólogo que transformou em livro para abrigar fatos delicados que ficaram longe do palco, como detalhes de tragédias pessoais.

Aos 12 anos, Maitê precisou enfrentar a trágica morte da mãe, assassinada pelo pai ciumento. Anos depois, em 1989, o pai se suicidou e, em seguida, foi a vez do irmão adotivo tirar a própria vida. As lembranças inspiradoras agora são mais leves. "Estou compilando histórias infantis. Tenho três netas atualmente, e uma a caminho. Conto histórias sem parar. Algumas são boas e poderiam virar livros ou animação. Veremos."

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