Análise: Narcisismo de Trump é posto à prova com posse sem grandes artistas

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Os eventos da posse de Donald Trump escancaram a relação entre política e cultura nos Estados Unidos. No país do entretenimento, cada artista que sobe ao palco carrega consigo uma mensagem sobre o poder.

Começando neste sábado (18), o republicano celebra seu novo mandato de quatro anos com uma série de apresentações musicais. As mais importantes serão as do grupo Village People —conhecido pelas faixas "Macho Man" e "Y.M.C.A."— e da cantora country Carrie Underwood.

Chama a atenção, porém, a ausência de grandes nomes da indústria. Como aconteceu em 2017, na sua primeira posse, Trump não foi capaz de atrair celebridades de mais peso. Conta apenas com um time reserva.

É, de certo modo, uma humilhação para um presidente narcisista que vem justamente do mundo do entretenimento. Trump fez fama como apresentador do reality show O Aprendiz. Sua necessidade de validação exterior é notável —e os artistas mais respeitados o esnobam.

De certo modo, é recente a participação de celebridades nas solenidades de posse nos Estados Unidos. Outros presidentes contaram com artistas, mas em geral em eventos secundários. Foi o caso do republicano George W. Bush, cuja celebração de 2001 incluiu Ricky Martin e Jessica Simpson.

Foi o democrata Barack Obama que de fato atrelou a classe musical à posse. Em 2009, convidou Aretha Franklin. Em 2013, teve Beyoncé, fazendo do rito político um mega-evento cultural. Joe Biden dobrou a aposta em 2020 com as performances de Lady Gaga e Jennifer Lopez.

Trump não teve tanto sucesso quando subiu ao palco pela primeira vez, em 2017. Sua eleição tinha sido inesperada —todos davam como certa a vitória de Hillary Clinton— e sua campanha teve de se virar para conseguir, de última hora, atrair celebridades musicais para seu entorno.

Não foi uma tarefa fácil, para alguém que tinha dado tantas declarações machistas, racistas e xenófobas. Os grandes nomes da indústria recusaram o convite, no que foi tido como uma humilhação. Foi o caso de Celine Dion, Elton John, Andrea Bocelli e Moby, entre tantos outros.

A cantora Jennifer Holliday chegou a aceitar. A ira de seus fãs foi tamanha, porém, que ela depois anunciou que não iria mais participar da posse do republicano. Disse que temia que sua apresentação fosse confundida como apoio às políticas de Trump e de seu vice, Mike Pence.

Com tudo isso, o entretenimento não só passou a fazer parte das posses presidenciais, mas foi politizado também. Era possível, antes, que um artista cantasse para um presidente com quem não se identificava. A posse era um evento apolítico, pensado para o público. Mas o cenário mudou.

Isso reflete um fenômeno mais abrangente no país, onde cada vez mais se espera que artistas tomem uma posição política. De maneira simplificada, a indústria do entretenimento tende a ser mais liberal, o que nos Estados Unidos significa que se alinham ao partido democrata.

A posse deste ano não vai ser tão humilhante quanto a de 2017. Os dois grandes nomes —Village People e Carrie Underwood— têm apelo, ainda que não tenham prestígio equivalente ao de Beyoncé e Lady Gaga.

O caso do Village People é curioso. O grupo ficou famoso nos anos 1970 e suas canções viraram hinos da comunidade LGBTQIA+. Apresentavam-se com fantasias de fetiche, como caubói e motoqueiro.

Foram meio esquecidos desde então, e só voltaram aos holofotes porque Trump fez de "Macho Man" uma das trilhas inesperadas de sua campanha. Suas dancinhas em cima do palco viraram memes —os democratas riram, mas os republicanos depois se apropriaram da piada.

O Village People a princípio não gostou. Chegou a criticar Trump pelo uso indevido de suas músicas em eventos de campanha. Mudaram de posição, porém. Ao anunciar sua participação nas celebrações, disseram que queriam que a sua música ajudasse a reunir o país, tão fragmentado.

Carrie Underwood, por sua vez, é bastante famosa no universo country, que tem fãs nas regiões centrais, bastiões de Trump. Ela cantará o clássico "America the Beautiful" durante a cerimônia solene de posse. No anúncio, disse sentir-se honrada em participar desse evento histórico.

O hino nacional, cantado por Lady Gaga em 2021, ficará por conta do artista de ópera Christopher Macchio. Kid Rock também deve se apresentar. Ainda assim, não se compara às posses anteriores em termos de impacto cultural. A grande estrela desta vez será o próprio presidente.

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