"Seja maior que a vontade de desistir." "Enquanto houver 1% de chance, teremos 99% de fé". "Por trás de todo CNPJ de sucesso, existe um CPF que não desistiu": é o que dizem, em letras garrafais, postagens no Instagram. Na mesma rede social, é feito o alerta: "Se você não luta pelo que quer, terá que se contentar com o que der."
Em alguma medida, esses mantras, que também podem ser encontrados em igrejas, empresas e na política, surgem em um cenário de extrema desigualdade: no mundo, o 1% mais rico acumulou quase dois terços de toda a riqueza gerada desde 2020, enquanto os mais pobres ficaram com apenas 2%. No Brasil, filhos de famílias pobres têm chances muito remotas de atingir o patamar de renda dos ricos e levariam nove gerações para alcançar a renda média do país.
No entanto, sobretudo nos países ocidentais, em vez voltar as atenções para causas estruturais da desigualdade (como raça, gênero e classe social), a crença de que é possível "vencer na vida" apenas com esforço próprio se mantém como um valor cultural e moral importante para lidar com dificuldades cotidianas, como mostram estudos dos sociólogos Jonathan Mijs e Mike Savage. Mas, se a desigualdade promove mais fracasso do que sucesso, por que as pessoas ainda acreditam na meritocracia?
É justamente por ser como é - injusta e persistente -, que a desigualdade produz formas de acreditar na possibilidade do sucesso. A desigualdade não é apenas uma forma de distribuição de recursos e oportunidades, mas também um modo de justificação das suas falhas. Ela constrói ideias, valores morais e práticas culturais ao tempo que concentra renda e reduz oportunidades.
E que ideias são produzidas sob a lógica meritocrática? Em resumo, é o que invocam mantras difundidos globalmente: você é o único responsável pelo seu próprio destino, e tanto o fracasso quanto o sucesso poderão ser lidos pela lente do esforço e do talento. É compreensível imaginar que ninguém gostaria de ser responsável pelo próprio fracasso ou de ser visto como um perdedor. Se as pessoas ainda acreditam na meritocracia, é porque continuam a acreditar em si. E isto não é qualquer coisa.
Mas há ainda outra questão: se mesmo com esforço o sucesso não se realiza, por que as pessoas não desistem? É que a desigualdade não entrega só o fracasso; ela escancara a prosperidade de poucos como promessa de um futuro possível para os outros 99%. É importante entender que o capitalismo de hoje tem uma nova característica. A imagem do rico distante e parasita que vive da exploração dos pobres está dando lugar ao rico trabalhador, íntimo de seus seguidores e que demonstra generosidade ao oferecer dicas para a prosperidade. A riqueza é vista, assim, como fruto de trabalho árduo e que, com algum treinamento, basta não desistir para que isso seja um futuro provável para todos. Nesse sentido, desistir não é uma opção, porque seria a admissão do fracasso pessoal e da própria inferioridade.
O editor Michael França pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Vitor Bahia foi "Straight, No Chaser", de Thelonious Monk.