A OMS (Organização Mundial da Saúde) alertou, nesta quinta-feira (15), que novos casos de Mpox podem surgir na Europa após a detecção um caso na Suécia, o que levantou dúvidas se a transmissão pode se espalhar e causar impactos semelhantes aos da Covid pelo mundo.
De acordo com o escritório regional europeu da OMS, "é provável que haja mais casos importados na região europeia nos próximos dias e semanas". A declaração foi feita após o primeiro registro fora da África de uma nova variante.
Uma pessoa que procurava tratamento em Estocolmo, na Suécia, foi diagnosticada com Mpox nesta quinta, causada pelo subtipo clado 1.
Um clado é um grupo de vírus com mutações genéticas significativas, mas que vêm de um mesmo ancestral comum. No caso de uma cepa, as variações são bem menores.
Dois clados principais do vírus que transmite a doença circulam pelo mundo. O clado 1, que é endêmico na África Central, e o clado 1b, uma nova versão envolvida no surto atual.
Em 2022, uma cepa mais branda do vírus mpox, pertencente ao clado 2, causou um surto global que foi controlado por meio da vacinação de grupos vulneráveis.
Especialistas ouvidos pela Folha afirmaram que a doença tem alto potencial de se espalhar em escala global, mas não deve atingir a mesma intensidade ou letalidade da Covid.
"Vivemos numa pequena vila global de 8 bilhões de pessoas completamente interligadas. É questão de tempo para se disseminar para outros países. Vai acontecer, a gente pode ter certeza. Esperamos que com baixa magnitude e intensidade", afirmou Alexandre Naime Barbosa, infectologista e coordenador científico da SBI (Sociedade Brasileira de Imunologia).
A pediatra Isabella Ballalai, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), concorda e destaca que, ao contrário da Covid, que surpreendeu o mundo e se espalhou rapidamente, a Mpox teve um alerta global antecipado, permitindo que os países se preparem para sua disseminação.
Na quarta-feira (14), a OMS havia declarado que a Mpox é uma emergência de saúde pública de preocupação internacional.
"O risco de uma epidemia é se esse alerta não funcionar. É para que cada país adote suas ações preventivas e comunique os profissionais para ficarem atentos aos pacientes com sintomas", explica Ballalai.
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No Brasil, apenas em 2024, já foram registrados 709 casos e 16 mortes por mpox. Apesar do aumento e a circulação de uma variante mais perigosa do vírus, o Ministério da Saúde avalia que o risco é baixo para o país.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que a situação "não é motivo de alarme e sim de alerta".
Trindade anunciou nesta quinta (15) a aquisição de 25 mil doses da vacina contra Mpox com a OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde).
A pasta também inaugurou o Centro de Operações de Emergência em Saúde para coordenar ações de resposta à Mpox (COE-Mpox), localizado na sede da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), em Brasília.
Apesar da aquisição das doses, uma vacinação em massa não deve ocorrer. "Apenas casos muito excepcionais e grupos muito vulneráveis", disse a ministra. A decisão segue a recomendação da OMS de não vacinar populações inteiras.
O médico infectologista José Cerbino, pesquisador do Instituto D'Or e do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz, afirma que uma vacinação em massa no Brasil não é a melhor decisão, porque o risco-benefício ainda é baixo.
"Uma vacinação em massa envolve custos de produção e de distribuição, além de expor as pessoas ao risco de adoecimento. Seria um esforço para vacinar pessoas que talvez nunca sejam expostas à doença", diz.
Para Cerbino, os esforços agora devem se concentrar em conter a doença no continente africano. O controle local deve evitar que a doença se espalhe para além da região.
Um surto global chegou a ocorrer em 2022. Mais de 100 países registraram casos, incluindo Brasil e partes da Europa e Ásia. Naquela época, a OMS também havia considerado a Mpox uma epidemia de importância internacional, mas suspendeu o alerta um ano depois.
"Foi um erro", afirma Túlio de Oliveira, diretor do Centro de Resposta a Epidemias e Inovação da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul.
Oliveira faz parte de um grupo de trabalho que acompanha a Mpox há cinco anos. Segundo ele, a suspensão da OMS fez os casos voltarem a crescer no continente africano neste ano.
Desde o início do ano, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) da África vem registrando um aumento considerável de casos. Até o final de julho, foram detectadas mais de 14,5 mil infecções e mais de 450 mortes por mpox.
Cerca de 96% dos casos ocorreram na República Democrática do Congo. O restante se espalhou para quatro países vizinhos —Burundi, Quênia, Ruanda e Uganda.
"Infelizmente, essas condições de epidemia em países pobres são negligenciadas. É por conta dessa falta de interesse e de coordenação que as doenças se espalham", afirma Barbosa.
Segundo o infectologista, a transmissão na África ocorre de forma diferente devido ao ambiente misto entre urbano e rural. Culturalmente, as crianças têm contato frequente com animais, que muitas vezes são usados como alimento, facilitando a transmissão da doença.
Embora se espere uma disseminação global, como já observado no primeiro caso europeu, a propagação não será a mesma do continente africano. Cada país apresentará suas próprias mutações e características específicas.
No caso brasileiro, os especialistas defendem o aumento de vigilância e monitoramento dos casos, especialmente entre pessoas que viajaram para os países afetados nos últimos 30 dias ou que apresentam sintomas compatíveis com a doença.
"Temos a estrutura e a experiência para fazer o controle dessa doença", afirma Cerbino.