Quantas vezes você recebeu uma mensagem assim: "Amigo, você vem? Só tem brancos aqui." Ou então: "Cara, que rolê de branco." Para pessoas negras, isso é uma situação quase cotidiana. Mas, considerando que o Brasil tem uma população negra que ultrapassa 50%, por que ainda vemos tantos eventos e espaços marcados pelo excesso de branquitude?
Essa constatação levanta uma questão ainda mais profunda: por que espaços que se pretendem inclusivos e diversos continuam reproduzindo dinâmicas excludentes? É comum sermos chamados para "enegrecer" eventos com convites como: "Essa mesa de debate está muito branca, precisamos de um negro." Esse tipo de abordagem acontece especialmente em eventos que se promovem como defensores de narrativas de ESG, mas que, na prática, limitam a diversidade a números e aparências.
E como percebemos que essa inclusão é apenas performativa? Primeiro, pela repetição: raramente há mais de cinco ou seis pessoas negras, e geralmente elas já se conhecem de outros eventos. Isso denuncia que quem organiza só tem contato com um grupo restrito de pessoas negras. Segundo, os temas atribuídos a nós: mesmo em eventos que abordam assuntos como finanças, governança ou arquitetura, as pessoas negras são quase sempre convocadas para falar de "coisas de negro" – racismo, diversidade e inclusão.
Por fim, a própria dinâmica social no evento revela a superficialidade dessa inclusão: os poucos negros presentes acabam se isolando, porque quem os chamou não pensou em criar uma integração real. Estamos ali para compor o cenário, não para participar ativamente.
Meu amigo branco, pode confessar: sei que você só me chamou para deixar seu evento mais negro. Não quer, de fato, que eu participe dos seus debates, articulações ou que faça negócios com sua empresa. Há um padrão quase cínico na forma como o talento negro é tratado. Precisamos ser excelentes para sermos notados, mas, quando isso acontece, nossos convites se limitam a "áreas de conforto". Essa lógica é tão perversa que chega a ser ridícula; é o "diversity washing" em ação. Como resultado, negros são tratados como adereços, peças decorativas que só estão ali para evitar questionamentos sobre a ausência deles.
Se pergunte: quantos negros você admira e mantém no seu círculo que não falam sobre pautas identitárias? Responder essa pergunta, com honestidade, pode ser revelador. Este não é um texto contra o enegrecimento de espaços, mas contra a forma como isso é feito. Já parou para pensar que, quando somos convidados para enegrecer seu evento, estamos, até certo ponto, prestando um serviço para ele? Então, se nos convidou, assuma isso. Receba-nos da mesma forma que recebe as pessoas brancas influentes, porque não estamos ali para ser figurantes da sua narrativa.
Além disso, a inclusão performativa também carrega outra violência: a imposição de uma estética e de um comportamento específicos. O negro precisa parecer "diverso o suficiente" para ser reconhecido, mas sem causar desconforto. Você tem que ser o negro descolado, que se encaixa na narrativa estética do espaço branco, mas nunca o suficiente para incomodar. Esse controle sobre como devemos nos apresentar reforça estigmas e limita nossa subjetividade. Ser incluído só é válido se não ameaçarmos a ordem do espaço que já existe.
A questão não é apenas enegrecer espaços, é por que esses espaços precisam de enegrecimento. A inclusão verdadeira exige mais do que convites simbólicos; ela exige repensar estruturas, criar conexões autênticas e abrir portas que nunca deveriam ter estado fechadas.
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Enquanto a branquitude continuar controlando as regras do jogo, a presença negra será sempre uma perfumaria. E, se é isso que você deseja – apenas parecer diverso –, então tenha a honestidade de admitir que está interessado em números, não em mudanças. Mas, se o objetivo for realmente incluir, comece escutando e dividindo poder. A real inclusão não se faz com uma cadeira a mais na mesa; ela se faz com novas mesas, novas redes e, principalmente, novas mentalidades.