O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu nesta segunda-feira (10) uma decisão do TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) que liberou o pagamento de valores retroativos de auxílio-alimentação antes de 2011. Segundo o relator, há um contexto de "inaceitável vale-tudo" em pretensões da carreira da magistratura.
De acordo com ele, por determinação constitucional expressa, a carreira da magistratura é nacional e regida por lei própria de iniciativa do STF.
"Trata-se de orientação fundamental para evitar abusos, como rotineiramente tem sido noticiado acerca de pagamentos denominados de 'super-salários'. Até mesmo 'auxílio-alimentação natalino' já chegou a se anunciar, exatamente em face desse contexto de pretendido e inaceitável 'vale-tudo'", afirmou o relator.
O ministro afirmou ainda que atualmente não é possível identificar qual é o teto remuneratório efetivamente observado nos pagamentos das carreiras jurídicas e o que é realmente verba indenizatória, que são aquelas que podem ficar de fora do cálculo do teto.
"Hoje é rigorosamente impossível alguém identificar qual o teto efetivamente observado, quais parcelas são pagas e se realmente são indenizatórias, tal é a multiplicidade de pagamentos, com as mais variadas razões enunciadas (isonomia, 'acervo', compensações, 'venda' de benefícios etc)", disse.
No caso concreto, a AGU (Advocacia-Geral da União) entrou com recurso contra um acórdão da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais de Minas Gerais confirmando a sentença de 1º grau para reconhecer o pagamento do auxílio-alimentação a um juiz entre 2007 e 2011.
A medida foi fundamentada em uma resolução de 2011 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), segundo a qual toda a magistratura tem direito aos mesmos direitos e vantagens dos integrantes do Ministério Público.
A AGU levou o tema ao Supremo e afirmou que a medida não é prevista na lei que rege a magistratura, a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional). "Em verdade, buscou tratar isonomicamente os membros da magistratura com os membros do Ministério Público sem lei que autorize", disse no recurso.
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Dino ainda afirmou que a decisão não está de acordo com a jurisprudência do próprio Supremo. Segundo a súmula citada pelo relator, não cabe ao Poder Judiciário, apenas com fundamento no princípio da isonomia, aumentar vencimentos de servidores públicos.
Segundo o ministro, a ideia da isonomia não basta para justificar "infinitas demandas" entre as carreiras jurídicas.
"A mera interpretação do art. 129, §4º, da Constituição (ou qualquer outro preceito) não pode se prestar a infinitas demandas por 'isonomia' entre as várias carreiras jurídicas (abrangendo até mesmo os Tribunais de Contas), violando a Súmula Vinculante nº 37 e impedindo que haja organização, congruência e previsibilidade no sistema de remuneração quanto a tais agentes públicos", disse.
Dino afirmou ainda que não há na resolução do CNJ qualquer previsão quanto a "atrasados" anteriores a 2011. Assim, uma decisão judicial que determina tal pagamento viola o entendimento do STF.
Em dezembro, a proposta do governo de criar regras mais duras para os pagamentos de supersalários no funcionalismo público gerou reações quase imediatas –as carreiras do Judiciário já começaram uma ofensiva no Congresso Nacional contra a PEC 45, que integra o pacote de corte de gastos do governo.
A Constituição Federal barra o pagamento de salários em valores superiores ao do teto do funcionalismo, que equivale ao salário dos ministros do Supremo. Em 2024, esse teto era de R$ 44 mil.
Em janeiro, a Folha revelou que o Tribunal de Justiça de São Paulo aumentou em mais de 50%, em 2024, os gastos com o pagamento de benefícios adicionais, os chamados penduricalhos, a seus cerca de 380 desembargadores da ativa.
Ao longo do ano passado, a remuneração média desses magistrados foi de R$ 75 mil por mês.
Reportagem da Folha também mostrou que penduricalhos garantiram a ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) rendimentos líquidos de até R$ 419 mil em dezembro, segundo dados do CNJ.
Na abertura do Ano Judiciário, no último dia 3, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou que as críticas aos gastos do Judiciário são muitas vezes injustas ou motivadas por falta de entendimento do trabalho de juízes.
"Nós somos contra todo o tipo de abuso, e a Corregedoria Nacional de Justiça, liderada pelo ministro Mauro Campbell Marques, está atenta. Mas é preciso não supervalorizar críticas que muitas vezes são injustas ou frutos da incompreensão do trabalho dos juízes", disse.