As deputadas pretas são as que mais priorizam propostas em defesa dos direitos das mulheres na Câmara dos Deputados, mas elas ainda estão quase ausentes nos cargos de liderança que podem impactar a aprovação desses projetos, indica estudo de pesquisadora da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas).
Na tese de doutorado "Quem nos Representa? Estudo sobre a Presença e Atuação das Deputadas e Deputados no Legislativo Federal", a cientista social Juliana Fabbron analisou 36 anos de atuação desses parlamentares no Brasil, nos nove mandatos ocorridos entre 1987 e 2022.
Ela filtrou e examinou 971 projetos de lei apresentados na Casa nesse período, relacionados a quatro temas: licença-maternidade ou paternidade, violência contra as mulheres, aborto e reserva de vagas (cotas) ou presença em cargos de comando.
Depois, ela classificou esses projetos como favoráveis ou desfavoráveis aos direitos femininos e também os dividiu entre estruturais (capazes de alterar a estrutura da desigualdade de gênero) ou incrementais (capazes de aperfeiçoar ou prejudicar um direito feminino, mas sem mudar o "status quo").
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A tese considera favoráveis, por exemplo, propostas que aumentam o tempo de licença parental ou incluem a prevenção à violência doméstica nos currículos. Por outro lado, vê como desfavorável um texto que agrava a pena à mulher que fizer denúncia falsa de agressão ou cria um canal para denúncia de abortos clandestinos.
Primeiro, a pesquisadora concluiu que as legisladoras, em geral, são proporcionalmente as que mais priorizam pautas femininas. Em média, cada deputada no período apresentou seis projetos classificados como favoráveis, enquanto entre os homens a relação é de um por deputado.
Fabbron então fez a mesma análise considerando a cor autodeclarada dos congressistas, dado disponível apenas nos últimos dois mandatos completos, de 2015 a 2022 —ela está examinando a atual legislatura, iniciada em 2023, em uma nova pesquisa coletiva pelo Centro de Justiça Racial e Direito da FGV-SP.
A conclusão da tese foi que o índice entre mulheres pretas é ainda maior do que entre brancas e pardas. A cada deputada preta, foram apresentadas, em média, três propostas entre 2015 e 2018, por exemplo, enquanto entre deputadas brancas e pardas a relação foi de uma por parlamentar.
As congressistas pretas também foram as únicas que não submeteram nenhuma pauta considerada desfavorável aos direitos femininos. "Quanto aos deputados homens, a atuação deles foi mais no sentido desfavorável do que favorável", afirma o texto.
Questionada, a pesquisadora diz que seria preciso fazer um estudo qualitativo para entender por que esse segmento de mulheres se destaca.
Ela ressalta que mulheres não são um grupo homogêneo e que a confluência de outras características além do gênero, como cor, podem impactar a estratégia de atuação legislativa das deputadas.
O estudo encontrou ainda diferenças entre os legisladores de partidos de esquerda, centro e direita. Nesse ponto, a classificação ideológica feita pelo estudo difere do GPS partidário da Folha e considera por exemplo, como siglas de centro atualmente, apenas Rede, PPS e PV.
No geral, quem lidera os projetos considerados prejudiciais aos direitos femininos são os homens de direita. Eles foram os autores de até 80% das proposições nesse sentido, a depender da legislatura, enquanto deputados homens classificados como de centro chegaram a no máximo 40% e os de esquerda, a 29%.
A tese também chama a atenção para o crescimento das deputadas de direita nesse índice: até 2006, elas não haviam proposto nenhuma das leis desfavoráveis às mulheres. A partir desse ano, no entanto, esse cenário sofreu uma alteração, tendo esse grupo sido responsável por 31% dos projetos desfavoráveis às mulheres apresentados no mandato concluído em 2022.
A prioridade dada a cada tema também varia conforme o espectro ideológico.
O aborto é um assunto focalizado pelas deputadas de esquerda, enquanto as licenças parentais têm peso maior entre as deputadas de direita. Já a violência contra a mulher e a reserva de vaga ou cargos de comando têm uma importância mais equilibrada entre os três espectros ideológicos.
Ausência em cargos de comando
Outra conclusão do estudo é a ausência de mulheres em posições de liderança na Câmara. Ao longo dos 36 anos pesquisados, elas passaram de 5,6% para 15% da composição total da Casa. Já nas últimas eleições, atingiram a marca de 17,7%, sendo 3,1% pardas e 2,5% pretas, ainda muito abaixo das proporções da população.
Nesse contexto, a Mesa Diretora nunca teve uma presidente, apenas uma única vice-presidente. As comissões permanentes tiveram mais líderes mulheres do que a proporção de eleitas, mas não aquelas de maior poder e prestígio, como a CCJ (Constituição e Justiça e Cidadania) e a Comissão de Finanças e Tributação.
Os dados indicam uma "setorização de gênero", diz a tese, onde deputadas estão mais presentes em comissões relacionadas a direitos sociais e humanos, enquanto áreas como economia e infraestrutura têm uma representação feminina muito baixa. Além disso, quando ela existe, é majoritariamente branca.
Para Fabbron, é nos partidos que está o maior nó para a igualdade na política formal, portanto cabe a eles a implementação de medidas mais efetivas. Isso porque as legendas elegem seus líderes (majoritariamente homens), que indicam quem concorrerá à Mesa Diretora e quem comporá as comissões.
As chances de ocupar esses cargos aumentam quando os parlamentares têm carreiras políticas ininterruptas ou participam dos diretórios nacionais —o que normalmente não é o caso das deputadas.
"Se as mulheres pouco ocupam esses espaços políticos e partidários, está traçado um ciclo que retroalimenta a presença masculina (e branca) no Legislativo", conclui o estudo.