A estudante Bianca Witzel, 22, passou no curso de biologia na UFU (Universidade Federal de Uberlândia) exatamente uma semana antes de a pandemia de Covid estourar em 2020. As aulas começaram à distância e ela, consumidora ávida de vídeos curtos no TikTok, teve a ideia de produzir conteúdo com dicas para quem estava na mesma situação que a dela: estudando em casa.
Quatro anos depois, o tipo de conteúdo que produz é bem diferente. Ela conta curiosidades sobre animais, sobre o corpo humano, visita laboratórios e zoológicos e fala sobre o que aprende nas aulas da faculdade. Popularmente, ela ficou conhecida por seu bordão: "Biologicamente falando", que surgiu meio sem querer e "colou" com os mais de 1 milhão de seguidores que a acompanham no TikTok.
Bianca é um exemplo entre muitos de criadores de conteúdo no TikTok que divulgam ciência na rede, ao lado de nomes como Alex Dalabona, 27, e Kananda Eller, 28, conhecida nas redes como Deusa Cientista.
O TikTok é uma das redes mais usadas pela chamada geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) –de acordo com a própria plataforma, 29% dos usuários fazem parte desta geração e a utilizam para se aprofundar em algum tema de interesse. "A Geração Z é a primeira a crescer totalmente imersa no mundo digital, e isso molda a forma como consomem informação", afirma Maíra Carvalho, diretora de Operações do TikTok no Brasil, em entrevista por email à Folha.
O formato dos vídeos de Bianca é simples e segue mais ou menos o padrão da rede social: ela fica de frente para a câmera e fala sobre o tema escolhido, às vezes com imagens ao fundo, seja de algum bicho ou de algum comentário de seguidor. "Nunca foi meu sonho ser conhecida e fazer sucesso, mas as pessoas não paravam de me marcar em vídeos de bicho me pedindo para comentar, ficavam fazendo perguntas, então continuei."
O modelo gera identificação, segundo a especialista Erica Mariosa, doutoranda na Unicamp no PECIM (Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Estadual de Campinas). "Os jovens querem conversar com jovens, com os seus iguais, pessoas da mesma idade, com aparência parecida", diz a pesquisadora. "E eles fazem uma busca ativa pelas redes sociais, estão acostumados com variedade no conteúdo, então sabem que vão encontrar alguém que fale a língua deles."
Quantos são os seguidores da ciência
Bianca Witzel
TikTok: 1,3 milhão de seguidores
Instagram: 560 mil seguidores
Alex Dalabona (Ovelha Sideral)
TikTok: 658,2 mil
Instagram: 112 mil seguidores
Kananda Eller (Deusa Cientista)
Tiktok: 128,2 mil seguidores
Instagram: 249 mil seguidores
Acertar o tom da linguagem é uma das chaves para atrair o público mais jovem, diz Alex Dalabona, 27, criador da página Ovelha Sideral, na qual fala sobre astronomia. "Tive que pensar em formas de ‘traduzir’ o ‘fisiquês’ para que todo mundo pudesse entender", afirma o jovem. "Escolho uma maneira simples de falar, mas isso não significa que meu conteúdo seja raso."
Para além da atenção à linguagem, Kananda, que produz conteúdos sobre química, também usa um tom politizado em seus vídeos. Em sua produção, ela questiona a suposta neutralidade da ciência e da produção científica e trata de temas como racismo e machismo no ambiente acadêmico.
"A ciência não é neutra, ela foi utilizada por muito tempo para reforçar preconceitos e isso está cada vez mais claro nas ciências humanas e sociais, mas nas ciências mais duras, como as exatas e da natureza, isso ainda não está muito posto, então tento mostrar um pouco dessa realidade", afirma a mestranda em ciências ambientais pela USP.
"A juventude aceita muito menos o racismo, o machismo, é uma geração que está crescendo com mais contato com a diversidade", acrescenta ela.
Assim como Bianca e Alex, a trajetória de Kananda no TikTok também começou durante a pandemia, em 2020, quando ela havia acabado de se formar em química na UFBA (Universidade Federal da Bahia). "Percebi que por meio dos vídeos curtos eu chegaria em mais pessoas, conseguiria espalhar muito mais a minha mensagem do que fazendo vídeos longos", diz Kananda.
Mariosa, doutoranda na Unicamp, afirma que houve um levante de divulgação científica durante a pandemia, uma vez que todo mundo queria saber como o vírus funcionava e o que aconteceria. "Muitos divulgadores conquistaram um público e alguns se mantiveram na ativa."
Para manter as atividades, os tiktokers são convidados para dar palestras e criar conteúdo para marcas. Mas também mantêm outros trabalhos e estudos em paralelo às redes, que ainda não são a principal fonte de renda deles. Bianca está na reta final de sua graduação, fazendo seu trabalho de conclusão de curso sobre divulgação científica, Alex tem uma agência de marketing, e Kananda é mestranda em ciências ambientais.
"As pessoas costumam dizer que os criadores de conteúdo são grandes negócios, e eu tenho buscado esse caminho", diz a mestranda. "A divulgação científica não é algo simples na internet, precisa de uma estrutura e eu coloquei isso na minha cabeça para entrar nesse mercado."