Cuidado ao basear seus investimentos na inflação de um único mês

há 2 dias 4

Você escolheria todas as roupas do ano com base na temperatura de um único mês? Parece absurdo, mas é exatamente isso que muitos investidores fazem ao olhar para a inflação de um único mês e tentar projetar todo o comportamento da economia. Fevereiro trouxe um IPCA de 1,31%, o que causou certo alvoroço entre os investidores. Mas será que isso sinaliza um novo patamar inflacionário ou é apenas mais um capítulo previsível de um livro já conhecido?

Assim como a temperatura do verão engana quem pensa que ela vai durar o ano todo, a inflação também tem seus ciclos naturais. Ao longo dos últimos 20 anos, os dados mostram que o semestre entre outubro e março concentra quase 2/3 da inflação do ano. Portanto, extrapolar para o resto do ano é um erro.

A média desde 2005 (tabela abaixo) mostra que o IPCA entre outubro e março acumula cerca de 3,5%, enquanto de abril a setembro ele soma apenas 1,9%. Portanto, o IPCA do semestre no fim do ano foi em média 187% maior que o no meio de cada ano. Isso acontece por motivos conhecidos: reajustes escolares, planos de saúde, tarifas públicas e outros preços administrados que se concentram no início do calendário.

Meses Média do IPCA em 20 anos Outubro Novembro Dezembro Janeiro Fevereiro Março Acumulado Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Acumulado Média anual
0,52%
0,48%
0,63%
0,56%
0,67%
0,57%
3,53%
0,49%
0,41%
0,29%
0,26%
0,21%
0,36%
1,90%
5,50%

O número de fevereiro de 2025 isolado parece elevado. Entretanto, quando olhamos para janeiro e fevereiro deste ano, o resultado acumualdo está dentro da média histórica, sem nenhuma catástrofe aparente.

O investidor mais apressado, ao se assustar com um número fora da curva, pode cometer o erro clássico de ajustar demais sua carteira. Trocar títulos pós-fixados por outros atrelados à inflação, mudar de estratégia, fugir da renda fixa pós fixada com receio de um surto inflacionário que possivelmente nem se concretize.

Além disso, é importante lembrar que o IPCA esperado para março e abril, segundo a Anbima, é de 0,55% e 0,48% respectivamente — patamares similares à média de longo prazo para esses meses. Ou seja, a "nova inflação" pode não ser tão nova assim.

Outro ponto fundamental é que, mesmo que o índice pareça dentro do esperado, ele está pressionado. A média anual do IPCA nas últimas duas décadas foi de 5,5% ao ano, o que já embute certa resiliência inflacionária. Esse número, inclusive, está 2,5 pontos acima da meta atual do Banco Central. É por isso que, mesmo diante de expectativas de desaceleração, o mercado ainda trabalha com a perspectiva de mais uma alta na Selic no curto prazo.

A escolha dos investimentos em renda fixa, deve levar em conta o comportamento médio e a expectativa futura, mas não o susto de um mês pontual. Ignorar a sazonalidade pode custar caro. Em vez de se mover por impulso, o investidor bem informado entende que oscilações fazem parte do jogo e que decisões bem-sucedidas são construídas com base em padrões, não em exceções.

Portanto, antes de trocar sua estratégia por pânico ou modismo, vale a pena respirar fundo e lembrar: o calor de fevereiro passa, e a estabilidade da renda fixa permanece, principalmente, para quem sabe interpretar o termômetro sem exageros.

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