Crítica: Rita Lee mostra em livro que circulava no Olimpo e entre os mortais

há 4 meses 29

Antes de alcançar o estrelato, todo artista já esteve no papel de fã. No entanto, ser famoso não é para qualquer um, já que é necessário cultivar o equilíbrio entre vocação e talento. Essas são algumas das teorias apresentadas por Rita Lee no livro póstumo "O Mito do Mito", lançado nesta semana.

Escrita ao longo de mais de uma década, a obra mistura autobiografia e ficção, no melhor estilo debochado da cantora.

A narrativa se passa na madrugada, dentro do consultório de um terapeuta irreverente, que pergunta questões existenciais sobre assuntos diversos: medos e conquistas, relação com a família e os ídolos, dependência com as drogas e vínculo com a espiritualidade.

Num livro repleto de histórias de bastidores, a autora descortina as hipocrisias do show business, ao mesmo tempo em que revisita a relação com a fama e com os admiradores do seu trabalho. Das convenções da profissão, ela não tinha paciência para os puxa-sacos ou para os artistas com autoestima delirante.

Com a sabedoria de quem conviveu de perto com criaturas de diferentes naturezas, ela oferece um olhar pela fechadura das portas dos camarins —abastecidos com pedidos extravagantes— e dos círculos restritos de quem gosta de ser bajulado. Rita Lee circulava pelo mundo dos deuses do Olimpo com a mesma sagacidade que transitava entre os mortais.

Mesmo com 50 anos de carreira, ela se sentia como uma atriz se passando por cantora. Sem papas na língua, apontou os desconfortos de ser idolatrada e apontou que cada realização era seguida do medo de ser esquecida. "O ideal, para ficar famoso para sempre, é morrer jovem. Se o artista envelhecer, tem que continuar trabalhando para não sumir das paradas."

Uma de suas paixões foi o ator James Dean, morto aos 24 anos com apenas três filmes no currículo. Além dele, era vidrada em Brigitte Bardot, Carmen Miranda, David Bowie, George Harrison, Hebe, Sônia Braga, entre outros.

Em um dos momentos de baixa, imaginou envelhecer no Retiro dos Artistas, lar de idosos célebres que passam por dificuldades financeiras. Nem as músicas nas trilhas sonoras de novelas, turnês com ingressos concorridos e adoração do público traziam segurança no métier.

Os desentendimentos com as gravadoras e os empresários criaram uma casca grossa. Andando na corda bamba, ela sabia da necessidade de jogo de cintura para equilibrar as pressões do mercado, mas não estava interessada em fazer concessões, afinal, nunca foi da sua natureza obedecer às convenções.

O espírito indomável consagrou Rita como rainha do rock e ícone da contracultura: "Sou do tempo em que as mulheres eram criadas para nunca questionar a autoridade masculina. Eu, por algum motivo, desacatei todas as autoridades masculinas que quiseram se impor sobre mim."

Nas páginas do livro, deixou claro que se manteve rebelde até o fim, mas não perdeu o bom humor. Definiu como "fã-tantã" a geração atual de políticos no poder, aquelas pessoas que admiram nazistas, com atitudes dignas de vilões do cinema. Já com o "fã-psicose" não se brinca, são aqueles obsessivos pelo objeto de adoração —nos termos atuais, os stalkers.

Em geral, Rita tinha a sensação de que o "artista se mete na vida dos outros sem nem saber." Durante os anos de estrada, não faltaram saias justas, mas houve inúmeros casos afetuosos. Inclusive, foi pela sensibilidade de seus ouvintes que, muitas vezes, entendeu o significado de sua própria música.

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Se era melhor ser fã ou artista, ela não tinha dúvida: são equivalentes no prazer. Para a cantora, não havia nada mais saboroso do que mordiscar algo novo de quem adorava, mas também se enchia de orgulho quando escutava que ela mesma havia tocado a vida de alguém.

Ao comentar a cultura das celebridades de internet, foi categórica: "tenha mais discernimento e exija o selo de garantia, ou alguma prova de que você está consumindo um produto cuja validade do talento ultrapasse os 15 minutos de fama, que hoje foram reduzidos para cinco".

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